PROFESSORES DISCUTEM A ATENÇÃO DADA À LITERATURA CEARENSE
12.05.2014
O que a adesão das
universidades públicas ao Enem pode significar para a difusão do autor cearense
nas escolas
Para o escritor
Batista de Lima, a literatura local
perde com o Enem
Oliveira Paiva, Rogaciano Leite, Domingos
Olímpio, Padre Antônio Tomás, Henriqueta Galeno. Mais do que ruas ou avenidas,
esses e outros tantos nomes escritos em placas fixadas nas esquinas também se
inscreveram na história da literatura cearense. Apesar disso, a história das
nossas próprias palavras e narrativas corre, mais do que nunca, o risco de se
distanciar dos mais novos por questões de prioridade no ensino.
Desde o semestre 2011.1, os alunos que
ingressaram na Universidade Federal do Ceará (UFC), na Universidade da
Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab) e no Instituto
Federal do Ceará (IFCE) foram selecionados através do Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem) e do Sistema de Seleção Unificado (Sisu/MEC). Com exceção dos cursos
de Licenciatura em Teatro e ArtesVisuais da última instituição, que
necessitam de um teste de habilitação específica (THE) e são regidos por um
edital à parte, todo o acesso às graduações e cursos técnicos mantidos pelas
entidades federais de ensino superior no Ceará passou a acontecer mediante
aprovação na prova elaborada para ser aplicada simultaneamente em todos os
Estados, logo, se pauta em conteúdos abrangentes a todo o território nacional.
Em abril, o Conselho Universitário (Consu)
da Universidade Estadual do Ceará (Uece) aprovou a adesão da instituição ao
Enem, tendo início em 2015.1, quando a oferta de 50% das vagas para o primeiro semestre
letivo em todos os turnos e cursos de graduação presenciais da oferta
regular serão preenchidas através da prova nacional.
Já as vagas para o segundo semestre permanecem
regidas pela modalidade vestibular tradicional, que passa a ser realizado
somente no meio do ano. A exceção acontece para os cursos da unidade de Tauá e,
em Fortaleza, para Medicina - o mais concorrido da universidade - e Psicologia,
que serão integralmente preenchidos através do Exame Nacional. Ainda que o
reitor da Uece, Jackson Sampaio, tenha defendido, à época da adesão,
a manutenção do vestibular tradicional pelas características da prova de abordar
conteúdos regionais, a iniciativa não será suficiente para salvaguardar a
literatura cearense dentro dos colégios e cursinhos preparatórios para o
vestibular - principalmente porque, mesmo quando se utilizava integralmente do
método tradicional de seleção, não valorizava a produção local com tanta
força quanto fazia a UFC.
"Apesar
da Uece ter mantido um sistema à parte do Enem, jamais esta Universidade
demonstrou interesse em valorizar autores cearenses que não os mais famosos
Alencar, Rachel ou Patativa", critica Roderic Szasz, há 18 anos professor
da disciplina de Literatura no Colégio Juvenal de Carvalho.
"Seus
vestibulares sempre foram mais voltados para autores de alcance nacional.
Portanto, excetuando os autores supracitados e outros da mesma estirpe, os
ditos 'menores' não tinham espaço nas aulas, pelo menos não por causa da
Uece", afirma. O docente relata que mudanças no ensino e na abordagem das
produções locais mais significativas se deram após a adesão da UFC ao Enem.
Quando tinha vestibular próprio, a universidade cobrava na prova a leitura de
uma lista de dez livros, dos quais cerca de seis ou sete correspondiam às obras
dos escritores do Ceará.
"Com
o Enem, a lista terminou, os interesses migraram para autores mais 'nacionais'
e a literatura cearense ficou, sim, em segundo, ou melhor último plano nas
escolas", condena o professor.
Consequências
Luciano Araújo, que leciona literatura na rede
pública estadual e também no colégio particular Imaculada Conceição,
aponta que as mudanças no conteúdo cobrado pelos exames de seleção privam os
estudantes de conhecerem verdadeiramente, ainda na escola, nomes que fazem
parte do seu cotidiano.
"É o que chamamos, na universidade, de 'Via
da Literatura Cearense'! As pessoas conhecem osnomes de ruas e avenidas
como Domingos Olímpio, Antônio Sales e Juvenal Galeno, mas nem sonham que essas
pessoas foram grandes escritores do nosso estado", explica.
"Para a Literatura Cearense é o fim",
avalia Batista de Lima, colunista do Caderno 3 e professor de Literatura Cearense
na Uece, de 1995 a julho de 2013. "O autor cearense geralmente fica
recluso com suas obras nos limites do nosso Estado. Os vestibulares locais,
antes do Enem, ainda se lembravam da gente. Agora nem isso. As escolas de
ensino médio de nossa terra que eram resistentes ao autor cearense, agora é que
não vão mais divulgá-lo".
"A literatura local está fadada a se tornar
um objeto cada vez mais restrito aos estudiosos locais e aos
obcecados por 'curiosidades'. Dificilmente o valor de autores menos badalados
voltará a ser exaltado ou mesmo estudado no ensino médio, por conta do atual
sistema de seleção vestibular", lastima Roderic Szasz.
Para
completar o quadro, o docente acrescenta que, entre os jovens estudantes,
cresce também o desinteresse pela literatura como um todo. A maioria sequer
reconhece ou se importa com a origem dos autores. "A Literatura tem sido
um grande tédio para os mais jovens, o que é uma lamentável realidade",
analisa.
Já Luciano Araújo percebe um relativo interesse
dos discentes em conhecer o que é e foi produzido no lugar onde vivem, mas
com restrições. "Em sala, tento remar contra a maré, levando textos de
escritores cearenses, como Moreira Campos, para mostrar aos alunos que nós
possuímos um leque enorme de bons escritores", relata.
"Os
meninos até que gostam de conhecer nossa literatura, mas não a valorizam tanto
porque 'não cai no Enem'. É triste, mas é verdade", lamenta o docente.
Para Batista de Lima, especialista em literatura cearense, a solução deve ser
pensada pelos sindicatos, pastas públicas e academias que se englobam no
contexto da educação. "Devia haver uma lei estadual para que toda escola
do Ceará fosse obrigada a exigir entre os quatro livros paradidáticos pelo
menos um que fosse de autor cearense", sugere.