segunda-feira, 4 de julho de 2016

HÃ?



Hã? 

Wilton Matos / O Poeta de Meia-Tigela

(Am Am6 Am G)

Am G
O que sou? O que for
D/F#
Penso não devia ser
F7+
Parece nasci para ter 
C9 (Am Am6 Am G)
Azar no jogo e no amor

F7+
Que sou eu? Quem sou?
C9 Am
Sou quê ou quem ou
F7+
Outra qualquer coisa
C9 D4/A
Que ser coisa oisa?
F7+
Sou alguém que fuma
C9 
Mas não se acostuma
Am F7+
Com o seu fumar. Bebe,
C/G
Mas não se concebe
D4/A
Restrito ao beber. C/G D4/A (Am Am6 Am G)
Que sou? Ser é o quê? 

F7+ Am7/E Am/D C6
Ser é ou. S(ou). Ou?

(Am Am6 Am G)
Sim, penso, existo.
Mas o que sou?
Sou o que hesito 
Em ser? Ou... Ou
Sou só o que penso?
Mas que pensa
O quem o qual
Sou? É? Hem? Saberá?
Que tal?
Existo, sim.
Que sim sou?
Existo? Que mim sou?
Sou?
Talvez

(Dm7 Dm6)
Nem só de pão?
Eu não sei não
Troco toda a filosofia
Por uma bolacha maria.


https://www.youtube.com/watch?v=6Koz_9gl1D0

terça-feira, 28 de junho de 2016

"Olha pro o Céu e pra mim, meu amor", crônica de Raymundo Netto para O POVO (no passado)


Anavã! Chegamos a junho, mês em que aconteci neste mundo, no meio do caminho, feito Pedro, ligeiro e cianótico, fugido de Natal, dependurado no bico de cegonha trapalhã e berrando: “Eu quero nascer é no Ceará!” Por isso, de não conhecer na Terra nada que me papoque mais as lembranças do que festas juninas, balõezinhos chineses, barraquinhas de palha de coqueiro, o cravo tinindo na castanha do pé-de-moleque ou a voz ecoada do Gonzagão em pagode russo na boate Cossacou: “Foi numa noite/igual a esta/que tu me deste o teu coração./ O céu estava/todinho em festa/ pois era noite de São João.”

Hoje, a cultura invasiva da sociedade do espetáculo sapucaicou as nossas festas, que deperecem ao afetado glamour e ao som de axé ou forró de plástico, que nem de longe imita o que nos fere a saudade.
Por outro lado, dia desses, ao me encostar em mesinha de plástico, numa praça em areias na rua do Sabão, onde se dava uma quermesse de igreja, olhava para o cimo céu estrelado de bandeirinhas coloridas de papel, e recordava a animação dos bairros de uma Fortaleza interior, quando os jovens se aproveitavam das festividades para escolher como par de quadrilha aquele ou aquela a quem o peito devotava gemidos de paixão, mas era desencorajado de se achegar. Nos dias de ensaio e de preparação, porém, estariam juntos, mesmo que disfarçando o ribombar da emoção e o desafino típico de primeiro amor, mas de nunca sentir tanta alegria, cortando papel de seda de cor, colando com grude de panela bandeirinhas no barbante de corda, pedindo pelamordedeus que a mamãe não esquecesse de emendar aqueles retalhos na calça e na camisa ou mesmo de costurar o vestido florido de chita.
Afinal, o dia da festa, foguetório no ar: a rua de pedras toscas tomada de barraquinhas de jogos e tabuleiros de paçocas, baião de dois, espetinhos, vatapá, bolos, refrescos e aluá. A fogueira de lenha estalando calores nos olhos curiosos da meninada e os quadrilheiros chegavam: as “damas” com vestidos de babados e tranças caídas em fita nos ombros, e os “cavalheiros”, sob chapéus de palha, ao pescoço lenço de cor, em camisa e calças rotas, bainhas tortas e alpercatas de couro. Encontravam-se os pares a ensaiar um passo diferente de “motocicleta”, “cavalo” ou “aleijado”. A moça, mais ousada, pintava a lápis o bigode, a costeleta, o cavanhaque no par desajeitado. Ele, a pretexto de lhe tocar o rosto, ali pintava uns três ou quatro pontos negros, deitando o olhar já cativo àquele sorriso que lhe parecia feito de luar.
Vinha lá o pai Francisco tocando o seu violão bi-rim-rim-bão-bão e o seu delegado. Após o casório, a quadrilha começava com anavãs, anarriês, balanceio, serrote, túnel, parafuso e passeio: “Lá vem a chuva!” “Olha a cobra!” As senhoras alimentavam de gás os candeeiros, enquanto o sanfoneiro, no resfolego do seu fole de oito baixos, convidava para o rapapé no salão, que ameaçava ir até amanhecer e a palha voar. Enquanto o cavalheiro, com o coração molinho, molinho, despontava um inocente “Olha pro céu, meu amor, veja como ele está lindo...”, sendo acolhido por um beijo de assalto “tão bonito e tão sincero feito festa de S. João”.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

segunda-feira, 30 de maio de 2016

CABECEIRA



Entrevista d'O Poeta de Meia-Tigela no programa Cabeceira, com Rosanni Guerra. TV Assembleia, CE




https://www.youtube.com/watch?v=0YRs9RfLhd8

quarta-feira, 25 de maio de 2016



Entrevista do poeta Frederico Régis no programa Cabeceira. Obra literária do autor e o livro E5PELHOS são os assuntos do encontro




https://www.youtube.com/watch?v=LRQqq5LdXRo

quinta-feira, 5 de maio de 2016

HAICAI PARA LÉO PRUDÊNCIO ou ME SEGURA SENÃO HAICAIO


por: O Poeta de Meia-Tigela
1.
1. o haicai é uma centelha. fulguração pequeno satori iluminação. é a poesia pega no voo ou antes no salto. mas o haicai não é rápido: é breve. de uma brevidade com vagar devagar porque contemplativa 2.derivado do tanka mantém deste os versos iniciais e abdica dos dois finais; por isso o imediato da apreensão do haicai e sua expressividade cintilante: deve condensar uma impressão súbita um lampejo um luzir uma intuição que ao se vocalizar reverbere distenda-se espraie-se enlanguesça enlargueça-se — permaneça 3. vê-se que ao haicai acontece o que a todo poema: a inspiração — se a há —comodespertar do poeta à visão repentina que se lhe apresenta e o traduzir aquele reluzir (com o adendo de que a tradução devida é a da concentração para maior fulgor não cabendo expansão que não a de sentidos) 4. o sintético do poema resulta no haicai como estaticidade: se a leitura é rápida — três versos de escansão 5-7-5 — a fruição da imagem sugerida é duradoura perficante remanescente. o haicai é um flagrante o 3 x 4 (3 x 3?) de um evento um pensentimento e ao mesmo tempo imobilidade do poema que capta que rapta e perpetua o movimentar-se do acontecer. breve e duradouro fixo e movedouro o haicai é a quintessência o sumo do que se chama poesia 5. vem bashô por uma trilha estreita e o mergulho da rã no lago o surpreende: essa surpresa é o haicai: instantâneo mas também ondulante como os círculos centrífugos na água
1. guilherme de almeida: O POETA. Caçador de estrelas./ Chorou: seu olhar voltou/ com tantas! Vem vê-las! (Encantamento, Acaso, Você, seguidos dos haicais completos)
2. sânzio de azevedo: NOITE. A lua, já baixa,/ se esconde por trás da fronde./ Uma rã coaxa. (Lanternas Cor de Aurora)
3. francisco carvalho: O espírito de Bashô/ te visita no limiar/ da água sem umbral. (Romance da Nuvem Pássaro, in: Memórias do Espantalho)
4. luciano bonfim: Livro: longa liberdade/ prosseguir paisagens, pensamentos/ pairar pelas palavras (Aliterar Versos 20/60 + alguns instantâneos)
5. millôr fernandes: O hai-kai,/ descobri noutro dia,/ é o orvalho da poesia. (Hai-kais)
6. alice ruiz s: mosquito morto/ sobre poemas/ asas e penas (Desorientais)
7. bashô: a caminho do interior/ canções do plantio de arroz/ meu primeiro contato poético (Trilha Estreita ao Confim, tradução de Kimi Takenaka/ Alberto Marsicano)
8. léo prudêncio: estou sóbrio de/ palavras amores e livros/ fui regado a sol (aquarelas)
2.
1. nuvens que ao olhar
atento tornam-se pinturas:
aquarelas em fuga
(haicai 75)
2. foi guilherme de almeida quem implantou e difundiu no brasil de 1936 o haicai acrescido de título e rimas segundo a fórmula – – – – x/ – o – – – – o/ – – – – x. mas como esclarece léo prudêncio asaquarelas não pretendem seguir sempre o esquema métrico tampouco o rimático. e penso que não seja indevida tal escolha: se em sua origem há mais de quinhentos anos os versos japoneses prescindiam daconsonância da simétrica eufonia por que não prescindir agora? as aquarelas inscrevem-se numa perspectiva contemporânea do haicaiar (a do jiuritsu) ao abdicarem de aterem-se à contagem do metro e disposição rímica; ao declinarem dos títulos e ao insistirem no uso mínimo de pontuação e utilização exclusiva das minúsculas [nota de contexto: conferir o poema 62, em que a palavra “Auroras” é corrigida para “auroras”, mais condizente com o alvorecer do sertãoassumem-se como lirismo contemporão e enquanto tal isentam-se da pré-fixação de formas excetuando-se a manutenção dos três versos [nota de contexto: às vezes mesmo esse preceito normativo mínimo aparece suplantado: leiam-se os poemas 37 (para nydia bonetti) e 95, desdobrados em quatro versos; por outro lado a tessitura triádica é tão distinguida que o montante de poemas não é outro senão o de noventa e nove a saber trêsao quadrado três ao quadrado ou três vezes trinta e três] 3. a “pegada” pós-moderninha do aquarelasmostra-se também nalguns dos poemas que apelam para a temática expressivamente urbana: vejam-se os de número 39 (a bateria de samba) 53 (a batida de vodka e rock’n’roll, conducente a outra batida a de) 54 (carros que buzinam) 70 (stones na vitrola) 86 (o avião) [nota de contexto: o samba e o rock’n’roll no aquarelas: resquícios de baladas para violão de cinco cordas, livro anterior de léo prudêncio?] 4. considerada a urbanidade de certos haicais e a acentuada liberdade formal do livro inteiro parece que o distanciamos de sua ancestralidade: mas não é para tanto. é de se notar que a despeito do predominante versilibrismo estes poemas prudencianos mantêm — visualmente — o alongamento do segundo verso sugerindo-nos ao menos e sempre visualmente um não tão demarcado afastamento em relação aos haicaístas nipônicos dos séculos xvii-xviii: bashô-sora-buson-issa, por exemplo. quanto à urbanidade do aquarelas vale lembrar que os poemas acima citados constituem exceções neste volume sem dúvidas muito mais próximo de um panorama interiorano e sertanejo (conforme a pequena nota explicativa) que da cidade grande (cada vez menor porque maior). o próprio distanciamento do cenário oriental mais conclama que repele o espírito original do haicai: como fazer soarem sinceros versos brasileiros-nordestais que tratassem de “cerejeiras” “neves” “rouxinóis” “montes fujis”? somente a geografia cearense — sertão serra e litoral — pode tornar-se verdadeira imagem: “pés de manga” “brasas de fogueiras” “rolinhas” e “meruocas”: como bem diz o poema 26, “não é o monte everest/ é um pé de seriguela/ com formigas nele”. pois é o conhesentimento direto da paisagem sertaneja que permite a léo prudêncio alcançar em tantos de seus haicais o lirismo subitâneo-surprêsico do haicai oriental 5. o lirismo oriental como expressão da ligação do poeta com a natureza ao redor: faz-se profundamente presente no aquarelas o saber-se natureza e seguramente a maior parte dos poemas tem como tema a contemplação desta: “lagarta devoradora” (6) “passarinho admirador” (25) “mar invasor” (29) “galos cantadores” (41) “borboleta meditadora” (55) “sol renascedor” (68) “vento tropeçador” (79) “botão de flor desabrochador” (99) — tudo é admiração de um fora só perceptível porque ecoante e ecoante porque condizente com o dentro do bardo. por estar aberto pronto receptivo para o fora o fora se adentra e o que era fora e adentro torna-se um no poeta torna-o um com o derredor devolve-o ao entorno natural naturaliza-o ao passo que humaniza — poetiza — a natureza já poética. correndo o risco de um esquematismo por demais simplista (como soem ser os esquematismos) direi que boa parte de aquarelas (quase metade) compõe-se desse olhar contemplativo para o fora: “choveu e o pequeno/ pardal se refugiou, solitário,/ no galho de árvore” (13) ou “envergonhada com/ a multidão de estrelas/ a lua ficou vermelha” (65); uma quantia diz respeito à contemplação do si: o de abertura (1) supramencionado e “o meu silêncio é/ fuga e encontro de mim mesmo/ paz revoada em mim” (42) ou “noite adentro eu/ passo navegando o mar/ imenso que há em mim” (81). [nota de contexto: é certo que “revoada” e “mar” comportam elementos da natureza exterior mas o acento recai na observação de si na intro mais que na extro pecçãoo encontro explícito do “in-” e do “ex-” dá-se em poemas como “a lua brilhando/ acima de mim me deixa/ mais perto de Deus” (19) ou no belíssimo blaisepascaliano “ao longe, acima/ de mim, a solidão das estrelas/ me toca” (88) 6. são a meu ler as abordagens predominantes embora ocorra intercalada e espaçadamente a presença da percepção a partir do fora do si-outro como aqui amorosamente “e ela é tão linda/ que a lua toda se alumia/ quando a vê passar” (12) ou aqui perplexa e de novo pascalmünchianamente “diante do universo/ o homem é apenas mero/ grito silencioso” (23). por fim a ligação entre o si e o outro em raros poemas a partir da identidade bem delineada pela transição à primeira pessoa do plural “para além do céu/ o olhar interrogativo:/ estaremos sós?” (74) ou “a vida passa por nós/ e é passageira em nós/ diluída no nada” (80) 7. mas talvez esteja na procura da vinculação à poesia mesma a realização máxima do aquarelas. o haicai fugidio em sua brevidade e permanente em sua reverberação cristalizado assim
a palavra escrita
na folha em branco leva
um pouco de mim (46)
3.
1. perdão léo os haicais tigelíricos a seguir ainda são de estro guilhermino
2.
vejo da marquise
a lua mostrar-se nua
cheia: estripetise
3.
velho o samurai
depõe armas e se põe
a empunhar haicais
4.
vem bashô na trilha
estreita: olha acima e “eita”
um haicai lhe brilha
5.
versos e silêncio:
singelas-te. o aquarelas
lês, de léo prudêncio


haicai 99 de aquarelas

aquarelas: haicais, de léo prudêncio
editora penalux
2016

*

léo prudêncio nasceu em são paulo, sp. morou por mais de vinte anos no estado do ceará e hoje reside em goiânia. em 2014 publicou seu primeiro livro de poemas intitulado baladas para violão de cinco cordas, também pela editora penalux