Algo existe de mais natural e prosaico que o reles nome de um indivíduo? Tirante o machismo perpetuado da família paterna em detrimento da materna (prática que, sabiamente, aos poucos está sendo desobedecida), ele carrega apenas uma parte do “histórico” genético das gentes. De quando em vez me pego lembrando (basta encontrar um desconhecido com um dos meus antigos “sobrenomes”) as minhas “famílias” que foram sendo descartadas ao longo do tempo: uns Liras, Cunhas, Pintos ou Araújos espalhados pelo meio do mundo, afora as diversas alcunhas que valiam quase como registro oficial, feito os “Conguês” ou “Capuchus” que meus avós carregavam nos lombos desde priscas eras.
O escritor Michael Ondaatje, canadense, nascido no Sri Lanka e crescido na Inglaterra, mas de origens holandesa, cingalesa e até portuguesa, em seu magistral romance O Paciente Inglês, nos diz: “Quando somos jovens, não olhamos para espelhos. Só quando ficamos velhos, preocupados com nosso nome, nossa lenda, o significado de nossas vidas para o futuro. Ficamos vaidosos com nossos nomes, nossas pretensões de termos sido os primeiros a ver, o exército mais forte, o comerciante mais sagaz. Só quando fica velho é que Narciso deseja uma imagem esculpida de si mesmo”.
Enquanto eu, mero escrevinhadorzinho de província, demorei um bocado a prestar atenção na minha “firma”, precisamente quando publiquei meu primeiro livro (tinha já 30 anos nas costas) como Pedro Rodrigues Salgueiro. Recordo que o amigo Sânzio de Azevedo me alertou para meu nada eufônico Rodrigues engasgando o seco Pedro e atrapalhando o forte Salgueiro. Ponderei (justificando) que era mais identificado com a minha família materna que com a paterna, como aliás quase todo mundo. Estava lançado o alerta de que meu antes insignificante nome na verdade escondia uma “marca” que necessitava ser registrada, preservada e, pasmem, até cultuada com bastante esmero. Teimei em editar mais dois livretes com o velho nome de batismo, mas acabei – depois de várias opiniões e conselhos insistentes dos colegas escritores – me rendendo e resumindo minha agora quase comercial assinatura para somente
Pedro Salgueiro.
Sinto-me, porém, cansado desse “timbre” gasto – penosamente carregado por mim por quase meio século – e estou pensando em, mais uma vez, trocá-lo; meus amigos, como sempre em tom de chacota, até me andam renomeando às escondidas; mas tirante as gozações de praxe da turma, acabei aceitando a sugestão do Poeta de Meia-Tigela (ele próprio uma alcunha ambulante) de assinar apenas “Pedro Sal.”. Faz alguns anos que informalmente rubrico, por preguiça e desleixo, simplesmente um “PSal.” em quaisquer mensagens internéticas ou raras missivas de papel.
Entretanto, mesmo dessas abreviações já ando deveras exausto: estou, ociosamente, acreditando que quase ao final de tudo – bem pertinho do inevitável ninho das corujas, ao lado de onde as andorinhas eternamente dormem e deixando de lado a narcísica (e besta) preocupação com o próprio nome –, vou acabar tascando embaixo da minha lápide simplesmente um ordinário “P.S.”.
17.10.2015