CRÍTICA “OS DIAS
ROUBADOS”, DE CARLOS VAZCONCELOS.
É TÃO BOM QUE NÃO
CHEGOU A ME “ROUBAR” UM DIA INTEIRO
Por João Pedro Roriz
O escritor Carlos
Vazconcelos não é só conhecido como também comemorado no Ceará. O Brasil não
conhece o Brazil e muitos críticos, editores e artista do eixo Rio-São Paulo
que definem os parâmetros qualitativos literários em esfera nacional ainda
ignoram grandes autores regionais deste nosso grandiosíssimo País de inúmeras
culturas. Eis um belo exemplo!
Conheci Carlos no
lançamento do meu livro “O Mistério de Troia” que ele carinhosamente ajudou a
organizar e que reuniu grande público em um teatro de Fortaleza. A cultura
deste escritor é vasta e seu conhecimento sobre literatura é invejável. O homem
lê um livro por dia e sua figura humilde e serena nos inspira tranquilidade e
confiança.
“Os dias roubados” me foi
confiado para uma leitura e opinião. O livro, publicado pela Editora Expressão
e vencedor do Prêmio de Incentivo às Artes da Secretaria de Cultura do Ceará em
2011, já de cara me chamou a atenção pela bela capa e pelo ótimo título.
Mas confesso que não
esperava tão bela aventura emocional. O protagonista-narrador da obra conta a
sua história na prisão, suas desventuras amorosas e como foi vítima de um
complô político gestado contra ele no ventre da Ditadura Militar. Mais do que
isso: em solilóquios intelectuais é poéticos, o personagem central escreve em
seu diários as mazelas de suas prisões internas – essas que levam uma pessoa à
loucura e que, em muitos aspectos, superam as asperezas típicas de quem vê
todos os dias o sol nascer quadrado.
Aliás, eis um trecho do
livro que muito me chamou a atenção:
“Não sei quem forjou a
expressão ‘ver o sol nascer quadrado’. Parece não ter sido um prisioneiro, ou
se lembraria do luar, o luar quadrado. Só um prisioneiro sabe o que é a
aproximação da noite, o que é o desabar das sombras para quem não tem
intimidade com a lua. Desta sacada, neste cruzamento de duas avenidas sem fim,
espero o crepúsculo e penso nos que ficaram la dentro, sem a abóboda celeste,
sem o renovar do horizonte, sem outras brisas e outros cheiros que não o bolor
dos séculos acumulados nos cantos”. Carlos Vazconcelos. Os Dias Roubados
(Expressão)
A metalinguagem contida na
obra (um livro dentro de outro livro) chamou a minha atenção. Existe um quê de
mistério no ar pela própria condição do personagem ser o autor do livro – e a possibilidade
de ele, de fato, existir. O realismo fantástico proposto por Carlos Vazconcelos
pegou na veia e sangrou. Ao me presentear com a obra, o autor sabia que me
agradaria, pois encontrou em meus livros uma proposta parecida e até uma frase
que coincidentemente marca a sua obra e o meu livro “O mistério de Troia”:
“Vivemos muitas vidas nessa vida”. Coincidência e destino! Estávamos mesmo
ligados espiritualmente! Deus abençoe os escritores, principalmente os serenos,
que plantam pequenas sementes para colher, silenciosamente, ramos de flores
coloridas e cheias de vida. Eu não podia imaginar, mas essa obra, pequena na
forma e grandiosa na fôrma, não me “roubaria” um dia sequer. Foi lida em poucas
horas, na delícia de um bom sábado.
A alma e o pensamento
humano são desafiadores. Iniciei a leitura com um pé atrás. Para mim, o bom
escritor se desnuda e deixa a história ser contada através de sua pena sem
preconceitos, sem paradigmas, sem exageros ou cortes de censura. Como todo
autor que leio pela primeira vez, avancei nas primeiras páginas com enorme
interesse, mas com a desconfiança típica das crianças que têm medo da primeira
aula na escola. A partir do segundo movimento da ópera composta por
Vazconcelos, eu me desliguei do mundo e embarquei de corpo e alma no coração do
perturbado e apaixonante personagem central. E não foi por acaso. O autor vive
a cabeça de um louco ex-prisioneiro, adoecido pela dor e pelos sentimentos de
vingança abafados - solitário, famoso, idolatrado e ao mesmo tempo cativo
das memórias de seu cárcere. É nesse ponto em que nos perguntamos: será que o
autor de “Os dias roubados” é assim? A resposta? É claro que não. Ele é apenas
(e isso já é muita coisa) um ótimo autor.
Loucos? Todos somos.
Sociopatas? Nos tornamos por força maior. Carlos Vazconcelos está atento e
inserido no contexto literário do seu País. E, que bom, ele dá uma “banana”
para quem cria uma imagem preconceituosa sobre um autor local ou regional.
Vazconcelos me ofereceu sua casa e seu vinho e agora me apontou caminhos sobre
a loucura e sobre a importância de estar atento e vigilante em uma vida de
emendas e interesses mesquinhos.
O personagem central de “Os
dias roubados” acredita que não existe espaço para a ingenuidade nesse mundo.
Mas hoje ele já sabe – e eu também – que é possível sim acreditar na justiça e
nos homens de bem. A obra de Carlos chega no melhor momento. Não se fala em
outra coisa atualmente no Brasil a não ser o aniversário de 50 anos da ditadura
militar, da criação da comissão da verdade, da política e seus desacertos. E
não é a toa que Carlos aborda esses assuntos de forma paralela em seu
livro! Afinal, o Ceará é mais centro do País para a muitos brasileiros do
que os “BRAZILEIRO” (com Z mesmo) do sudeste pensa.
Eu só vou sossegar quando
vir os livros de Vazconcelos no ensino médio e nas universidades. A obra em
primeiro plano ganha pelo aspecto poético e dramático. Sob um olhar acadêmico
livre de estúpidos preconceitos bairristas, se transformará em um tratado sobre
política, corrupção, ética e moral. A poesia que escorre pelos dedos do
narrador é emprestada de seu autor verdadeiro, mas não é forçada – é uma poesia
possível e confiada aos sábios – arte essa que está ao alcance de todos. E isso
também é assunto para as escolas e universidades: a motivação de sabermos que
todos somos capazes de emprestar ao mundo exemplos vívidos e emocionais,
culturais e fantásticos!
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João Pedro Roriz é escritor
e jornalista.
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