quarta-feira, 22 de julho de 2015



O PESCADOR E O CAÇADOR

Crônica de Pedro Salgueiro, em O Povo

Sempre gostei de presenciar o diálogo (até a falta dele, ou uma tentativa que seja) entre forças antagônicas, torcedores de times rivais, ateus e crentes, homens e mulheres, idosos e crianças, quaisquer que sejam as diferenças muito me interessam.

Estes dias fui com meu sogro, que é agricultor e caçador desde menino nos sertões do Ceará, para Fortim, à beira do rio Jaguaribe entrando no mar do Pontal do Maceió. Nada mais estranho pra ele e dona Graça (a sogra) que os costumes litorâneos: de tudo se admiram, da comida, do clima, dos costumes, enfim, do povo praiano.

Mas não se acanham, demonstram vontade de aprender (ou pelo menos entender) esse modo de vida de caranguejos, que vivem fuçando a lama dos mangues, pescando além da risca do infinito mar; com desenvoltura tentam comer de tudo, molham as canelas no branco das ondas, escutam a prosa abundante dos pescadores...

E foi num desses encontros improváveis que pude ver o contraste mais de perto, quase palpável: quando os levei para um bate-papo à tardinha na barraca do seu Dadá e dona Joana, que frequentamos faz quase duas décadas. De início o pescador desde criança, com mais de 50 anos de mar, e o agricultor sertanejo, também caçador desde a meninice, quase não engataram conversa, titubearam aqui e ali em frases vacilantes, encabulados; então articulei algumas perguntas sobre as diferenças dos dois, tipo quem era mais corajoso: se o caçador que passava madrugadas enfurnado nas matas ou o pescador que açoitava as ondas noites afora?
Em poucos minutos já proseavam que nem dois companheiros de infância, tiravam diferenças, até contavam vantagens; porém só me assustei quando eles partiram para falar de assombrações do mar e do mato, cada uma mais cabeluda que a outra.

Mas me levantei da mesa mesmo foi quando os dois desataram a contar causos que juravam ser verdadeiros, e – melhor ainda – todos passados com eles próprios: seu Dadá certo dia pescou duas guarajubas com o mesmo lançamento de anzol – e não se assustem: com o mesmo peso –; já seu Manoel, não ficando para trás, derrubou uma juriti e uma nambu com o mesmíssimo tiro de espingarda...

Senti que era hora de encerrar a conta, pagar a despesa e ir para casa, pois aquela conversa estava ficando perigosa e prometia ir longe.

O ADVOGADO E O PESCADOR

Meu amigo Élder Ximenes era bem jovem quando o levei (com sua inseparável Alexandra) pela primeira vez para comer um peixe na barraca do seu Dadá; o recém-formado advogado, curioso como sempre foi, adiantava perguntas noite adentro, enchendo a paciência do velho pescador: queria saber sobre cada peça do barco, cada detalhe da pesca, como se no dia seguinte tivesse que prestar exame de término de curso naquela exótica matéria náutica.
Já quase no final da conversa, todos já em pé para sair, o garçom recolhendo as espinhas do cangulo, seu Dadá ainda teria que responder a última inquisição do nosso inteligente amigo:

— Pois me diga, seu Dadá, estando seu barco perdido numa noite escura como o breu, em alto mar, com o tempo nublado, como o senhor faria para voltar pra casa?

Pensando que o antigo pescador se sairia com cálculos estrelares aprendido dos avós, rotas nebulosas dos astros celestes, o novo advogado se assustou com a resposta.

— É fácil, meu jovem, eu consulto o meu GPS.

E ainda hoje o ex-poeta Élder X., sobrinho do grande Caetano Ximenes Aragão, balança desconsolado a cabeça quando lembra a improvável resposta do experiente navegador.

Mas não deixa de rir um bocado.

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