sexta-feira, 14 de setembro de 2012

                                                        

                                                BULCÃOZIM

Por Pedro Salgueiro para O povo

Não lembro bem onde conheci o escritor Manuel Soares Bulcão Neto (e se não me engano esta é a primeira vez que pronuncio seu nome assim, completo, e também que o adjetivo de escritor), se na casa da amiga Ana Miranda, se no nosso covil barulhento do Assis da Gentilândia. Lembro, sim, que com meia hora de conversa já parecíamos amigos de infância, tamanha era a capacidade do nosso novo amigo de nos deixar completamente a vontade.
Foi, sem dúvida, a pessoa mais sem “frescuras” que conheci, mais sem “burrocracias” para os nefandos protocolos da vida. De início descobrimos um traço em comum: ambos “perdiam o amigo, mas não perdiam a piada”. Éramos muito parecidos em nossas “pequenas e inofensivas crueldades”, ele gostava de ressaltar. Uma vez me disse: “Mas você é mais cruel do que eu”, no que eu retruquei: “Apenas sou mais grosseiro, rude. Você teve uma educação mais refinada... É um filósofo!” Ele já ria, descobrindo em minhas palavras apenas uma gozação à sua condição de filósofo autodidata.
Era bastante gago e fazia dessa gagueira piadas, não nos dando, com isso, oportunidade para que o “zoássemos” com brincadeiras. Mangava de si antes de nós. Aliás, fazia piadas com tudo, principalmente consigo mesmo. Mas geralmente se dava mal quando partia para as brincadeiras pela internet, infelizmente as palavras frias e sem gestos que saiam do computador não tinham a simpatia que os seus chistes inteligentes e bem humorados necessitavam. Mais de uma vez criou pequenas (mas inofensivas confusões) com amigos, que logo eram resolvidas com seu pedido de desculpas e a promessa de que nunca mais iria brincar com os outros. Promessa que (sabíamos) não seria cumprida.
Tinha uma doença rara (e grave), que ele parecia também não levar muito a sério. Falava abertamente e até sentia certo “prazer” em discorrer sobre ela. Dava detalhes, mostravas feridas nas pernas, zombava também dela, ante a nossa incredulidade, o nosso espanto, o nosso medo. Fechava conversa dizendo que já estava no lucro, pois os médicos lhe deram três anos de vida e ele já estava com sete. Então comemorava (para alguns, mais pessimistas, suicidava-se) com muito álcool, pó e fumaça...
Era membro efetivo (mas principalmente afetivo) da corriola de amigos batizada pelo Poeta de Meia Tigela de “Poetas de Quinta”: vez por outra aparecia nas barulhentas noitadas do Assis e ria muito quando eu afirmava, ante o protesto quase unânime da turma sobre a zoada quase insuportável, ser ali o melhor local para se discutir a literatura cearense. “Já que ninguém vai se entender mesmo” ria ele, gordinho, míope, gago e feliz.
Prezado Bulcãozim, eu queria apenas (com estas improvisadas linhas tortas) te dizer em nome da cambada toda que você faz uma falta danada. Que com sua partida o nosso mundo fica bem mais pobre, mais burro e principalmente mais chato. E para não dar vazão a esse choro (que há semanas teima em querer sair dos meus, dos nossos olhos) queria te confessar que não fui ao teu velório, nem ao teu enterro, e ainda usei a tua missa de sétimo dia como desculpa para não ir a um lançamento de livro: minha última “sacanagem” contigo, amigão!

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