segunda-feira, 11 de março de 2013

EUGÊNIO LEANDRO


por Danilo Castro - Jornal O Povo


Mansidão da terra

Da seca de 1958 em Limoeiro do Norte à militância na Fortaleza dos anos 1980, o músico e escritor Eugênio Leandro rememora os caminhos que escolheu trilhar

Eugênio Leandro: "Minhas conquistas foram por causa dos amigos"

Numa manhã quente, encandeada pela luz refletida do mar, aconteceu o encontro. Olhando para o Estoril fechado, o músico e escritor Eugênio Leandro se desmancha em saudosismo. “Foi aqui que tudo começou. Aqui lancei todos os meus discos”. A Praia de Iracema é um dos recantos mais amados do telúrico irremediável. Lugar de plena efervescência artística durante a década de 1980. A caminhada pela rua dos Tabajaras foi marcada de boas lembranças.
                                    
Fugindo da seca de Limoeiro do Norte, o pai e a mãe de Eugênio o fizeram nascer em Fortaleza, mas, antes mesmo de completar um ano, o menino retornou ao berço interiorano devido a uma proposta de emprego que o pai recebeu. “Eu era o ‘menino de Fortaleza’, as pessoas achavam isso importante, mas eu não sabia o que era aquilo, ficava incomodado”. Somente seis anos depois, ele visitou a Capital pela primeira vez. “Papai me levou pra ver o mar do Passeio Público. Foi um encantamento tão grande”, lembra, como se a maré verde brotasse dos próprios olhos.
Em Limoeiro, criou suas primeiras referências musicais em meio aos embaladores, cirandeiros e repentistas. “Lá é uma terra de intensidades. O sertão é minha fonte de criatividade”. O pai, violonista de varanda, foi guiando o caminho do menino estudioso que sonhava em ser escritor, mas acabou encontrando a música no meio do caminho como um de seus talentos. “Ele dizia para mim: gaste seu dinheiro e seu ouvido com música”, lembra. Durante os fins de tarde, o menino observava o pai tocar a viola embalado pelo som em meio à “hora dos magos”, quando não é dia nem noite. O termo deu nome ao disco lançado em 2009.
Aos 20 anos, retornou de vez para a cidade grande e formou-se em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mas atuou na área por apenas um ano. “Eu gostava de estudar Direito, mas não gostei da área em si. Fiz para satisfazer a família, ser advogado em Limoeiro era uma honra para as pessoas”. Ao todo, são quatro livros lançados e cinco discos. “Minhas conquistas foram por causa dos meus amigos. Logo que cheguei, levei meus textos para Rogaciano Leite ler, ele gostou e passei a ser publicado”. Os escritos foram publicados no O POVO e compuseram o livro Rei Piau, de 1985. Dentre os prêmios na literatura, o conto “A Licença”, do livro A Noite dos Manequins (2011), foi traduzido para o búlgaro por Rumen Stoyanov – tradutor de García Márquez e Drummond - e participou do Concurso Internacional de contos Humorísticos Aleko Konstantinov, nascido há 150 anos, na Bulgária.
                                (Eugênio Leandro com Patativa do Assaré)
Na década de 1980, o Eugênio fez diversos shows no Rio de Janeiro e em São Paulo cantando com músicos como Chico César. Contudo, o fortalezense de Limoeiro sempre compreendeu que seu lugar é aqui, não por bairrismo, mas por prazer. “Tinha gente que dizia que eu era um passarinho no ninho, que se eu morasse lá eu poderia voar. Já Belchior me dizia: aqui você tem nome, lá você será só mais um”. Eugênio já dirigiu para cinema e teatro, além de dedicar-se à escultura nas horas vagas. Para 2013, ele planeja realizar um filme e um disco com o ator e amigo Rodger Rogério, além de lançar o cordel sobre a cantora bluseira Lily Alcalay, que morreu em 2003, vítima de câncer.

Depois de alguns cigarros e refrigerantes à beira da Ponte dos Ingleses, o entrevistado foi desafiado a se autoperfilar, rememorando sua trajetória desde o menino limoeirense, passando pelo artista militante em tempos de ditadura até chegar ao homem maduro que é hoje. O comentário, depois de uma pequena pausa, veio sorrateira. “Essa pergunta parece uma bala nos peitos, vou ali comprar outro refrigerante”, brinca. No auge dos seus 54 anos, após refletir com seus botões, ele conclui. “Hoje me levo menos a sério. Antes eu queria ‘catequizar’ o mundo com minha música, agora só atinjo as pessoas interessadas” e sorri, orgulhando-se da mansidão que sedimentou em si durante os anos.


EUGÊNIO LEANDRO
Por Pedro Salgueiro
                Conheci Eugênio Leandro quando ele lançou o disco “Além das Frentes”, e gostei tanto que logo fiquei fã de sua voz marcante e das letras que instigavam a minha cabeça de jovem estudante interiorano exilado na capital. Na primeira oportunidade fui à sua casa-estúdio, ali na Aldeota, por trás do Hospital Militar, pertinho do bar Bebedouro, e o conheci pessoalmente; recordo que na ocasião se encontrava lá Abidoral Jamacaru, com seus vozeirão e jeito manso.
De lá pra cá tenho encontrado frequentemente o amigo limoeirense em shows, mesas de bares e lançamento de livros, pois ele se tornou (já havia publicado o livrete de histórias curtas Rei Piau na década de 1980) um contista dos bons, lançando recentemente o premiado A Noite dos Manequins, que já esgotou várias edições, cada uma trazendo a capa do livro com uma cor diferente.
 Os amigos lhe cobram insistentemente mais um disco, alguns (como eu) pedem para que deixe de fumar tanto, estragando uma das vozes mais bonitas e marcantes da nossa música. Ele apenas ri, dá mais uma baforada, despeja uma geladinha goela abaixo e promete empolgado terminar o romance que há décadas bola insistentemente em sua cabeça.
Torço para que continue cantando, fazendo livros e sendo o amigo de sempre.

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