“Negada Solidão",
De Raymundo Netto para O POVO (21.2)
A solidão é o retiro em si mesmo. O monólogo diante da plateia vazia. A
arena devoradora de leões. A nascente da criação. A inspiração de capela. A
sugestão da palavra contida. A cortina cerrada na janela. O soluço de medo. O
piscar do olho. A luz das estrelas quando do nascer do sol.
Muitos não se permitem a companhia da solidão. Tentam se lhe escapar,
entretidas em birôs abarrotados de trabalho ou em risonhas mesas de bar, nas
constantes reuniões de grupos, na conexão ininterrupta das mídias e redes
sociais, cercados de amigos eletrônicos que, como nuvens e sonhos, os deixam no
primeiro soprar de vento. Entretanto, inconscientes, aproximam-se cada vez mais
dela, só que de mãos vazias, sem nada lhe oferecer. A solidão exige completude,
dedicação e, acima de tudo, verdade!
No exercício da solidão, deve-se permitir o autoabandono, o salto de
paraquedas – ou sem ele –, o caminhar doloroso nas brasas de pânico daquilo que
desconhecemos ou do que tememos perder ou mudar. É mais fácil lançar as nossas
chagas num retrato a óleo de Dorian Gray, do
que permitir o mergulho dentro de si, ir além das rugas e acnes, explorar as
dobras e depressões íntimas, geralmente escuras e úmidas, aqueles infernos que
nos revelam e nos assemelham ao propalado Deus da creação, pois,
como espelhos distorcidos, nos amedrontam, nos causam estranhamento diante da
máscara ridícula e preenchem de ilusões a nossa vã identidade.
O ser humano é um átomo diante do grande universo. Talvez menos do que
isso, se eu tivesse sido melhor aluno de Física, o que não fui, assim como consegui
não aprender tudo aquilo que, por um motivo ou por outro – geralmente imposição
era o grande motivo – decidi não levar comigo, assim como o xadrez e a
datilografia.
Escolhas. A nossa vida é determinada por elas. Nada nos chega que não
tenhamos construído (leia-se “escolhido”) ao longo dos anos. Vale
responsabilizar-se pelas consequências que atribuímos à má sorte ou àquele(a)
criatura que nunca nos deu a mão ou negou o seu amor.
Carregamos nos ombros o entulho dessa má elaborada engenharia. E ele pesa,
cega, sufoca e, se nós deixarmos, não nos abandona.
Não raro, por não suportar a si mesmos, os solitários necessitam de
lugares com espaço, ar, pouca luz e muitos ruídos. Saem à noite, em fuga do seu
espinhoso encontro consigo mesmo, e sentem carência de pessoas, muitas delas.
Encostados em paredes, feito espectros algemados em correntes de angústias, não
são notados nem ouvidos. Incapazes de pensar ou decidir um futuro – não que
precise fazê-lo, pois quem é solitário priva de uma liberdade à beira da indecência
–, torna-se um observador a viver a vida do outro, alimentando-se das sobras
das alegrias e emoções alheias, em simbiose com esses estranhos comuns, num
consortismo antihedonista social.
Noutros dias, a seu redor, apenas os grilos lhe despertam do andar
superior dos pensamentos e penosos psiquismos. É quando ouve a canção que diz
ser a sua alucinação suportar o dia a dia e o porvir da lembrança do corpo
delirado que cai do oitavo andar.
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