Léo Prudêncio
Após ler o
mais novo livro do Poeta de MeiaTigela intitulado Girândola (Substânsia,
2015), relembrei uma conversa rápida que tive, pessoalmente, com ele. Na
ocasião, me falou de alguns livros que viriam a lume e um deles, desde esse
dia, me chamou atenção logo pelo título: Girândola. Indaguei sobre e sua
composição, e ele confidenciou-me (acaba-se agora a surpresa), de que se
tratava de uma obra com indícios cortazarianos (nessa época o autor cearense
estava em contato assíduo com a obra do cronopiano-mor).
Quando o livro
me chegou em mãos e, lendo-o, me deparo com o nome do argentino escrito de
maneira subliminar em um contopoético: "desinvenção da fábula, a ou era
uma vez... para cortar o azar". A forma como os poemas são apresentados
não segue uma linha lógica de sumário, pois eles estão embaralhados ou
misturados com todas as oito divisões do livro: se bem que a (des)ordem não
altera o fator final dessa leitura; mesmo embaralhado, o volume possui uma
unidade poético-textual que nos leva a vasculhar mais e mais a propensa
estrutura verbal-imagética da obra.
O livro é
composto de haicais, palíndromos, sonetos, versos livres e desenhos. Ao final
lemos uma entrevista em que o Poeta responde fazendo uso de versos, como se
estivesse em uma rinha com outro cantador. Para o Poeta de Meia-Tigela tudo
vira poesia: inclusive as 64 contas do rosário. Nesse poema, faz a sua oração
em prol da poesia. Músicas dos Beatles, Black Sabbath, Morrisey dentre outros
servem como empréstimo para a construção de poemas. (Inclusive há um desenho
dos quatro beatles atravessando a famosa rua de Liverpool, e há outro de que
gostei bastante: a figura de Bashô).
Agora eu volto
a falar de Cortázar. Muitos de seus livros incluem gêneros literários de todas
as formas. Em Girândola, com os poemas, desenhos, conto, canções e uma
entrevista, logo deveremos nos perguntar: como classificar um livro desse? Eis
um livroalmanaque, à moda de Cortázar.
Mas, deixemos
o prefaciador desta obra tigelírica, Cid Ottoni Bylaardt, falar: "Assim, o
que cabe na tigela deste poeta, posto que meia? Inicialmente a fragmentação, a
diversidade e a superposição de textos sugerem uma bagunça poética de gêneros,
estilos e recursos. A impressão inicial vai sendo desfeita aos poucos, pela
sedimentação de alguns traços que persistem, sem, entretanto, quebrar a
expectativa de algo novo que surge aos olhos do leitor. Ao final, bem ao final,
o foguetório parece querer organizar o inorganizável. Talvez essa seção seja
mais útil aos comentadores, analistas, prefaciadores etc. Do que à própria
poesia, que prescinde dela."
Alguns autores
já fizeram uso do sumário como guia ou desguia de leitura (vede Tutaméia de
João Guimarães Rosa, em que o sumário inicial é desmentido no sumário final, ou
vede o sumário-guia de O jogo de amarelinha do já tão citado nesta crônica
Julio Cortázar). Os poetas contemporâneos e escritores de uma forma geral fazem
uso de todo o material do livro para compor o poema. Fazem do livro um objeto-poético.
Desvio o
assunto para comentar outros poemas de Girândola, como os que fazem uso da
língua brasileira de sinais, a Libras. A desbiografia do autor, situada no
final do livro, é um capítulo à parte, pois seu nome é reinventado, Aves de
Aquilino, assim como a data e o local de nascimento. O motivo?
Bom, melhor
parar por aqui. Segredar significados e influências é também uma maneira de
incentivar a leitura deste Girândola, se bem que não se precisa de muito
incentivo para ler tal obra literária, pois ela nos chama desde a feitura da
bela capa (de Nataly Pinho). Até o próximo ensaio de orquestra arquitetado pelo
maestro e poeta, este, de tigela transbordante.
*
[Aviso aos navegantes: O Poeta de Meia-Tigela nasceu Alves de Aquino,
em 1974. Todos os livros publicados por ele são coletados do 1nico livro a que
se dedica: Concerto Nº1nico em mim maior
para palavra e orquestra. Poema. Esta obra é formada por quatro movimentos,
cujo primeiro foi publicado integralmente em 2010. Em 2008 uma coletânea de
poemas do segundo movimento foi publicada, e relançada em 2011 com anexos, o Memorial Bárbara de
Alencar & outros poemas. Em 2014 o Poeta organizou uma publicação
coletiva chamada Mutirão e em 2015,
além do Girândola, publicou a
antologia de sonetos que permeia os quatro movimentos do Concerto, saída pela
Confraria do Vento, Miravilha: liriai o
campo dos olhos]
*
Léo Prudêncio é colunista no site LiteraturaBr e autor de Baladas para violão de cinco cordas
(Editora Penalux)
*
Este ensaio foi publicado originalmente em Letras in.verso e re.verso:
http://letrasinversoreverso.blogspot.com.br/2015/12/girandola-julio-cortazar-e-o-poeta-de.html
http://letrasinversoreverso.blogspot.com.br/2015/12/girandola-julio-cortazar-e-o-poeta-de.html
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