Ilustração de Lúcio Cleto (Lucjo Gaivota)
Neste mundo iluminado pelo caos, nesta sala cheia de espelhos, eis
que surge a poesia.
Poesia que des[a]fia a escuridão desde o raiar do dia - e que
amplia a recôndita luz da sua própria imagem e [des]semelhança.
Nesta viagem trago 5 espelhos comigo. 5 espelhos d’alma que ora
dividido contigo. Estes que ora trago comigo podem ser carregados no bolso.
Podem permanecer na sala. Podem te apresentar à vida pelo movimento retrovisor.
Podem, de resto, irem do chão ao teto. Se há um protesto, é este: não devem
ficar encobertos ou parados.
Nalguns destes espelhos não
existe a persistência da forma, mas a insistência da deformação do ser no tempo
e no espaço – cada um a deformar e a decantar a sua imprópria existência. Noutros existe a persistência da forma, apesar
da insistência da deformação do tempo e do espaço.
Espelho é um tipo de casca, uma
semente vadia, uma pirlimpimpimaresia ofuscada pela névoa que a bruma me traz -
diminuto equipamento sobre a escuridão. Escuridão é o lado do espelho que não se revela “de
cara”. Toda poesia é um espelho de si mesma? Toda Poesia é uma luz que foge do
poeta e invade a carapaça do espelho amplificador? Cada poeta é um espelho
disforme?
Espelhos:
alguns ricos; outros furtados; tantos nobres; muitos gaivotas; vários de
meia-tigela.
[Espelhos conforme. Espelhos disformes.
Espelhos de si, fora de si: poetas].
A
alma é um espelho que não se deixa ver facilmente, inclusive a dos poetas. Há um
desencanto lírico e quase apostólico num estilhaço de poeta. Do outro lado
do espelho existe uma tristeza lírica e
um lirismo de desencanto, desde o ar marinho que declamando e rindo ao vento
até a velhice ocorrida a partir dos 16 neste espelho que hoje se desnuda sem
plumas como um cão perdido numa noite só.
Espelho:
você vem me vê e vai
Espelho
é fora, mas pode [ou]vir de dentro – servirá o espelho como anti-recado à
posteridade?
O
espelho que trago comigo me assombra
todas as noites com seus açoites – com a sua abstinência de amor. E nos estilhaços - cuidado
pra não quebrar o nariz na sala dos espelhos - a minhalma enrugada e ressequida;
a minhalma curtida enxovalhada; a minhalma encardida e desbotada; remendada a
minhalma retorcida... Se
esvai...
Tudo
é poesia na sala dos espelhos. Nem toda poesia é sã na sala dos espelhos. Nem
toda alma é sã, principalmente na sala dos espelhos. Na sala dos espelhos, meu amor, quanto tu me dás de alma?
Se há
algo que os espelhos multiplicam mais do que os homens... É o rosto dos mortos.
A ausência - infinitamente ausência! Eis que surge a poesia!
Luciano Bonfim
[E5PELHOS é um livro coletivo dos poetas Carlos Nóbrega, Frederico Régis, Jorge Furtado, Lúcio Cleto e O Poeta de Meia-Tigela e pertence ao Projeto Edições em Coautoria - de Silas Falcão, Editora LuAzul]
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