quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

ORELHAS DO LIVRO E5PELHOS

Ilustração de Lúcio Cleto (Lucjo Gaivota)


Neste mundo iluminado pelo caos, nesta sala cheia de espelhos, eis que surge a poesia.

Poesia que des[a]fia a escuridão desde o raiar do dia - e que amplia a recôndita luz da sua própria imagem e [des]semelhança.

Nesta viagem trago 5 espelhos comigo. 5 espelhos d’alma que ora dividido contigo. Estes que ora trago comigo podem ser carregados no bolso. Podem permanecer na sala. Podem te apresentar à vida pelo movimento retrovisor. Podem, de resto, irem do chão ao teto. Se há um protesto, é este: não devem ficar encobertos ou parados.

Nalguns destes espelhos não existe a persistência da forma, mas a insistência da deformação do ser no tempo e no espaço – cada um a deformar e a decantar a sua imprópria existência.  Noutros existe a persistência da forma, apesar da insistência da deformação do tempo e do espaço.

Espelho é um tipo de casca, uma semente vadia, uma pirlimpimpimaresia ofuscada pela névoa que a bruma me traz - diminuto equipamento sobre a escuridão. Escuridão é o lado do espelho que não se revela “de cara”. Toda poesia é um espelho de si mesma? Toda Poesia é uma luz que foge do poeta e invade a carapaça do espelho amplificador? Cada poeta é um espelho disforme?

Espelhos: alguns ricos; outros furtados; tantos nobres; muitos gaivotas; vários de meia-tigela. 
        
[Espelhos conforme. Espelhos disformes. Espelhos de si, fora de si: poetas].

A alma é um espelho que não se deixa ver facilmente, inclusive a dos poetas.  Há um desencanto lírico e quase apostólico num estilhaço de poeta. Do outro lado do espelho existe uma tristeza lírica e um lirismo de desencanto, desde o ar marinho que declamando e rindo ao vento até a velhice ocorrida a partir dos 16 neste espelho que hoje se desnuda sem plumas como um cão perdido numa noite só.

Espelho: você vem me vê e vai

Espelho é fora, mas pode [ou]vir de dentro – servirá o espelho como anti-recado à posteridade?

O espelho que trago comigo me assombra todas as noites com seus açoites – com a sua abstinência de amor. E nos estilhaços - cuidado pra não quebrar o nariz na sala dos espelhos - a minhalma enrugada e ressequida; a minhalma curtida enxovalhada; a minhalma encardida e desbotada; remendada a minhalma retorcida... Se esvai...

Tudo é poesia na sala dos espelhos. Nem toda poesia é sã na sala dos espelhos. Nem toda alma é sã, principalmente na sala dos espelhos. Na sala dos espelhos, meu amor, quanto tu me dás de alma?

Se há algo que os espelhos multiplicam mais do que os homens... É o rosto dos mortos. A ausência - infinitamente ausência! Eis que surge a poesia!

Luciano Bonfim


[E5PELHOS é um livro coletivo dos poetas Carlos Nóbrega, Frederico Régis, Jorge Furtado, Lúcio Cleto e O Poeta de Meia-Tigela e pertence ao Projeto Edições em Coautoria - de Silas Falcão, Editora LuAzul]

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