quinta-feira, 10 de maio de 2012

            Coisas Engraçadas de Não se Rir XVIII: Fiquissões


 Raymundo Netto  para O POVO

O escritor é um bom fingidor, finge tão completamente que mente e só mente... Quem passa pela experiência da graça de conviver com qualquer um desses indivíduos, os tais escritores, há de compreender exatamente tudo que de já relatarei nesta crônica. Lembrando, por autopreservação, que o ser “escritor” perpassa um caminho que vai do ser alfabetizado ao ser encantado.
Tinha até decidido: não mais escrever sobre os “colegas”, entretanto, traindo a mim mesmo, para não perder o hábito e como expiação de meus originais pecados, teimo em fazê-lo. Mas que, por favor, ninguém me perdoe por isso.
O escritor, senhores e senhoras, é um herói, uma vítima, no sentido antropológico, logicamente por assim dizer, de suas próprias ficções.
Assim, principalmente entre os poetas encontramos os performáticos: os que gritam, cheiram e xingam mais do que escrevem. Aliás, alguns ditos escritores chamam mais atenção não pela produção, quando se tem uma, mas pela sujeira de seus trajos, pelo mau hálito — curiosamente esses gostam de cochichar aos nossos ouvidos —, pelas axilas peludas — em mulheres, claro — ou coisas desse tipo, ou simplesmente pela habilidade insuperável de abrir barracos em mesa de bar, de ser inconveniente ou de pedir dinheiro emprestado a fundo perdido.
Outros desfiam, em torturosas horas, detalhe a detalhe de seu inédito romance. Anos há e esse romance interminável é o seu assunto preferido de mesa de bar, a ponto de, não suportando mais, os amigos o aconselharem a publicação de um áudio-book.
Temos os experimentalistas, falo dos bons, os que conhecem aquilo que arrevesam, mas que acham incompreensível a incompreensão de seu leitor a nada entender. Ora e era preciso?
Citamos agora aqueles tipos que anunciam viagem a convite de palestra para os mais distantes países do mundo, porém, surpreendentemente, os encontramos em supermercados em compras na madrugada ou em imperdíveis eventos noturnos, de boina, sobretudo e com o pescoço em cachecol. Ainda pior é aquele cujos vizinhos, também sabedores de tal convite de viagem, o estranham por trás de barricadas em seu próprio apartamento, enquanto pregado à porta o bilhete confirma: “Estou na Itália!”
Alguns se dizem completamente obcecados pela literatura, leem os clássicos e escrevem o dia inteiro, visitam os blogues, assinam periódicos, elaboram resenhas e ninguém sabe que existem, enquanto há aqueles que escrevem pouco e ruim, leem só os vendáveis e publicam em quase todas das nossas poucas editoras a título do bicho-papão da literatura infantil.
Temos aqueles que adoram editais e por eles estão sempre publicando, enquanto há outros que detestam editais e por mais que participem não ganham um.
Talvez os mais curiosos escritores sejam aqueles cuja obra se resuma a única, sem passado nem futuro, aquela encomendada a alto custo para ectoplásmica pena. Ou mesmo aquele que, no intuito de injustificada e vaidosa autoproclamação e sem a possibilidade de vomitar sequer quadrinhas infantis, escreva pesquisa inútil sobre calçadas, brasões, bandeiras ou presídios e, a partir desse momento, passe a sonhar com o pescoço envergado por medalhão de Academia.

raymundo.netto@uol.com.br

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