quarta-feira, 31 de julho de 2013

EXORBITÃNCIAS DO ESMOS

 
 

 
Bernivaldo Carneiro
 
O engenheiro Agenor e o motorista Tenório amaldiçoavam o órgão em que trabalhavam por lhes impor lugares tão inóspitos, quando avistaram a placa anunciando refeição.
Empanturrado de galinha a cabidela com pirão, Agenor pediu a conta e se espantou com o total.
— Minha senhora, galinha caipira está difícil por aqui?
— Inhô, não. O difícil aqui é aparecer alguém de fora para almoçar.    
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 


 

sexta-feira, 26 de julho de 2013

PRECÁRIOS SOLDADOS


Uma velha canção francesa em voz de mulher [com um toque de Edith Piaf] me lembrou o Precariado. Ouvi-a a partir do momento 1h:19` do documentário O Som e a Fúria (La Bruit et la Fureur) sobre a Primeira Guerra Mundial. Falava sobre um levante em 1917 na Frente Oeste. Os soldados do exército francês (compreensivelmente) cansaram-se de ser mortos. E disseram não.

Cantavam esta música. A melancolia e a sanfoninha musette perpassam a Canção de Craonne. Marcaram-me os versos finais Porque nós somos todos condenados (Car nous sommes tous condamnés)/nós somos os sacrificados (Nous sommes les sacrifiés).

Pesquisadores (entre eles o professor Giovanni Alves) anunciam e denunciam: há um Precariado. Mais que trabalhadores em condições instáveis de emprego, são moças e rapazes a quem foi dito: dediquem-se e terão apartamento, carro, cônjuge e férias em Orlando. Eles se dedicaram. E o sistema não teve a delicadeza de cumprir sua promessa. As adolescências se estendem, as poucas vagas em concursos são disputadas a tapas, os empregos têm a consistência de pudins. Como é esperável de jovens bem formados e sem muita ocupação, sua forma típica de revolta é o acampamento (como no antigo operariado era a greve).

O Nous sommes les sacrifiés da velha canção me lembrou deles. Não são melancólicos – muitos são mesmo felizes. A mistura dos precários de hoje com os soldados esmagados de ontem é que me encheu de certa nostalgia – de que talvez o mundo tome jeito.

Até domingo!


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quinta-feira, 25 de julho de 2013

AS HORAS

 


Das cinco a sete da manhã o condomínio ouvia vozes, sorrisos e música.
Até a manhã seguinte, um silêncio extenso.
E há décadas que concreto lacra porta e janelas do apartamento.


Do livro de mico contos O colecionador de dedos.
 
Silas Falcão

quarta-feira, 24 de julho de 2013

ENSINO DE LITERATURA CEARENSE



BATISTA DE LIMA
Caderno 3 Diário do Nordeste
23.07.2013


Desde quando ingressei no ensino universitário que, entre as disciplinas que tenho ministrado, está presente a Literatura Cearense. Essa experiência tem me proporcionado algumas conclusões que devem interessar a quem faz Literatura no Ceará. É importante saber o nível de leitura dos nossos universitários, o gênero literário de suas preferências e os autores mais lidos. Essas revelações podem melindrar alguns autores que não são lidos e ao mesmo tempo impressionar positivamente aqueles que se acham esquecidos por não saberem que são apreciados. Há muitas curiosidades sobre o assunto.

O aluno de Literatura Cearense, geralmente, inicia a disciplina conhecendo algumas informações sobre José de Alencar e Rachel de Queiroz. Quando muito, leram algum livro desses dois autores, obrigados pelo professor do ensino médio. Raro é aquele que tenha lido algo a mais. Suas leituras são, vez por outra, a página esportiva ou policial de algum jornal. Revistas, só esporadicamente, de preferência as que trazem fofocas com artistas. Quando o vestibular exige a leitura de um livro, ou de livros, alguns os leem, mas a maioria procura ler a sinopse apresentada pelos cursinhos. Fato é que nossos alunos saem do ensino médio sem o hábito de ler.

Aqueles raros que possuem alguma leitura têm uma preferência maior pelo conto. Eles não gostam de ler livros de poemas e consideram os romances muito maçantes. O gosto pelo conto é decorrente do lado mais digerível desse gênero literário. É uma narrativa curta e independente, numa coletânea, o que possibilita um intervalo após cada texto. Com o transcorrer da disciplina, eles adquirem um certo gosto pelas histórias curtas de Moreira Campos, Pedro Salgueiro, Nilto Maciel, Tércia Montenegro e Thereza Leite.

Quando partimos para a leitura de poemas, mesmo com muitas dificuldades, há os que preferem Alcides Pinto, Francisco Carvalho e Luciano Maia. Dos mais antigos, há um certo gosto pelos sonetos da Padre Antônio Tomás, por Juvenal Galeno e Artur Eduardo Benevides. Vez por outra aparecem leituras de Cândido Rolim, do Poeta de Meia Tigela e de Mário Gomes. Essas leituras são feitas espontaneamente pois nunca indiquei determinado livro. Apenas solicitava que eles procurassem nas bibliotecas e livrarias um autor cearense para leitura.

Certa feita, uma equipe teve a ideia de fazer uma enquete entre cem intelectuais cearenses para saber qual o poema de nossa literatura que cada um mais apreciava. Como resultado final, o poema "Terra Bárbara", de Jáder de Carvalho, ficou em primeiro lugar. O segundo ficou com "Ode à Língua Portuguesa", de José Albano. "Ode Visionária", de Francisco Carvalho, ficou com o terceiro lugar. O quarto coube ao Padre Antônio Tomás, com seu soneto "Verso e reverso". O quinto lugar ficou com "Rio Jaguaribe", de Demócrito Rocha.

Esse exercício é quase uma brincadeira mas levou a equipe a conhecer os intelectuais e principalmente ler os textos apontados pelos entrevistados. Afinal, Literatura Cearense não é apenas estudo de sala de aula. É também trabalho de campo. É preciso participar de alguns lançamentos de livros, palestras, debates e assistir a alguns documentários sobre os principais autores. A TV Assembleia possui um acervo de vídeos já considerável sobre autores cearenses que são de grande valia. Até um levantamento das ruas literárias de Fortaleza foi feito nesse período e nos surpreendeu.
Foi constatado que Fortaleza já possui mais de quatro mil ruas, quase todas com nomes de pessoas conhecidas ou não. Entre todas, há sessenta e seis com nome de escritores cearenses. São sessenta homens e seis mulheres. Na época da pesquisa em que Rachel de Queiroz, Natércia Campos e Moreira Campos já haviam falecido, não havia rua com seus nomes, enquanto há logradouros com nomes que ninguém sabe a origem. O autor cearense mais contemplado com nomes públicos é José de Alencar, em todo o Ceará.

Outra promoção feita com esses alunos de Letras era a realização de uma visita ao Palácio da Luz, na Praça dos Leões. É que ali funciona a Academia Cearense de Letras e serve também para reuniões de quase duas dezenas de outras academias. Ali os estudantes de Letras em qualquer época podem conhecer a galeria de retratos dos acadêmicos e tomar conhecimento da história daquele vetusto prédio em que o Governo Estadual estabeleceu sua sede por mais de cento e cinquenta anos. A história cearense passa por aquele palácio.

Agora que me aposentei como professor da universidade Estadual do Ceará, essa disciplina passará para outro professor. Além disso, na Universidade de Fortaleza, ministro outras disciplinas. Assim sendo, vou continuar lendo essa rica literatura e pesquisando sobre seus principais autores e livros. Além disso acompanhei o desempenho profissional daqueles que compartilham saberes comigo. Já vejo alguns escritores que foram meus alunos, como Carlos Vasconcelos, Saulo Lemos, Edmar Freitas, Angélica Sampaio, Nádia Gurgel e outros. Assim, posso afirmar que depois de tantos anos envolvido com nossa literatura, constatei que é inesgotável a Literatura Cearense

DOIS LIVROS DE CONTOS

 
 


Crônica de Pedro Salgueiro, jornal O Povo

A PENA E O PENHASCO
 
O narrador-personagem de Os Dias Roubados, de Carlos Vazconcelos, nos faz lembrar as angustiadas criaturas de Dostoievski, tão empenhadas em justificar seus crimes; sua personalidade subterrânea nos faz também recordar de um Paulo Honório que possuísse a alma sombria de um Luis da Silva, logo depois do suposto suicídio de Madalena e do confessado assassinato de Julião Tavares, nos dois romances, Angústia e S. Bernardo, de Graciliano Ramos.
O complexo narrador-autor desta obra instigante vai — trazendo sempre junto o leitor — construindo (ou seria desconstruindo?) suas prisões exteriores e, principalmente, interiores.
Texto de fôlego do contista de Mundo dos Vivos, que, pouco a pouco, pedra a pedra, vai fincando seu nome neste solo tão árido da Literatura Cearense.

AOS PORCOS, PÉROLAS
Paralelos aos rios mais caudalosos da literatura brasileira — mais racionais, beletristas, formalistas, psicologizantes, vindos de nascentes alencarinas ou machadianas — correm alguns riachos menos perenes, de águas mais turvas, com jeitões de meros afluentes, mas que em vários trechos são até mais volumosos e violentos que os vizinhos mais formosos (se afastam e se aproximam, algumas vezes juntos formam a mesma várzea). Estas vias secundárias, paralelas e, diversas vezes, coincidentes são, em sua maioria, mais viscerais, intuitivas, sociologizantes, menos formalistas, só aparentemente descuidadas na linguagem.
E num desses riachos ou grotas é que navega o barco literário de Mariel Reis, em águas que já foram percorridas por Lima Barreto, Marques Rebelo, João Antônio, Antônio Fraga e Dalton Trevisan, para só falar em alguns afluentes mais robustos.
Seus contos trazem personagens suburbanas, muitas delas às margens da dita sociedade normalizada, oficial. Moram em locais ermos, fazem trabalhos escusos, mas pensam, amam, agem como qualquer um de outras classes sociais. E mesmo muitas vezes destacando sobre esses seres marginais seus aspectos mais sombrios, visualizando neles características quase bizarras, Mariel consegue fugir do meramente documental, jornalístico ao modo “a vida como a vida é”, do hiper-realismo urbano tão em moda em nossa literatura hoje, por um lirismo que vezes flerta com a ingenuidade, com o risível; também dessas armadilhas é salvo por contidas doses de ironias e uma humanidade às vezes desesperançada de suas figuras sombrias.
Este Bordel de Bolso traz uma pequena “Mandala” (mas repleta de sugestões, fetiches e solidões) emoldurada por duas histórias ambientadas (dois molambos rotos e sujos) em próstibulos (um deles disfarçado em boate, o outro discreto que nem uma pensão) mais que corriqueiros em qualquer recanto desse Brasilzão de mãe treta e pai ladrão. Em “Frank” somos arrastados pelo narrador onipresente atrás de cada um dos personagens, com ele vamos nos esgueirando por corredores escuros, palcos mal iluminados, estacionamentos “criativamente utilizados”, para no final (ou um pouco antes da meia-noite) sermos jogados dentro da carruagem que foge com os personagens principais desta quase história de fadas ao avesso. Já em “Bordel de Bolso” um contador onipotente nos sussurra (pois há um aviso pedindo silêncio) sobre o paciente amor de Valdemar pela proprietária da “casa de prazeres”, também nos faz escorregar discretos pelas escadas “bem utilizadas”, corredores povoados e quartos sempre ocupados, todos tão repletos de carências, medos e sonhos, para no final nos segredar que a vida, apesar dos sofrimentos, tende a continuar, que as gargalhadas de prazer ressurgirão sempre depois da pausa da madrugada, quando as cortinas são abaixadas, a casa é finalmente fechada e os sentimentos (mesmo contidos, angustiados) enfim podem aflorar em gestos mínimos.
Enfim, restam aos leitores três contos de esperanças, que procuram pérolas na lama, como a zombar dos três outros famosos contos do mestre Flaubert.
 
 
 
SOBRE O AUTOR

MANUEL CASQUEIRO é africano por direito e cidadão anônimo do país da saudade. Nasceu em 1946 em Chão de Papel, bairro de Bissau, a capital de Guiné-Bissau. Militante da liberdade, é exilado e aposentado. É leitor de livros de História, escritor, palestrante, contador de histórias africanas e poeta quando pensa no seu tão longe. De coração, é amigo de muitos, marido afetuoso, pai extremoso e avô coruja de brasileiros. Mora em Fortaleza. Mantém a nacionalidade guineense.

SOBRE O LIVRO

“Manuel é um poeta que narra. E como todos os poetas, é de canto nenhum, é talvez de um lugar que não tenha nome, que não mora no mapa. Em Mulungu Pululu – homem branco transparente*, Manuel tece as memórias de sua busca. Como criança, em meio à procura de pertencer, numa “terra de oprimidos sem voz”, mas cuja voz ecoa e grita dentro de nós, os seus leitores, companheiros de viagem, de busca, de lugar, porque, como eu disse, não esqueça: estamos todos segurando a mão de nosso pai, entre burocracias, filiais e distrações, sorvete de limão depois de um dia confuso, como em ‘Apartheid à Portuguesa I”.
(Mariana Marques, escritora)

No evento, o livro custará a metade do preço
 

SUTILEZA FEMININA

 
 



Mesmo conhecendo as três funções da vassoura e vivendo um pé de guerra trazido do berço (há anos disputavam o mesmo namorado) rolou aparente gentileza, entre as irmãs gêmeas.
— Onde está a vassoura, querida mana?
— Para quê? – retrucou a outra, amaldiçoando a presença das visitas, que lhe tolhiam a resposta e a pergunta que gostaria de ter feito: “está atrás da porta. Bem atrás da porta! Vai varrer ou vai voar?”.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

OS SONHOS

 
 
 
 
Baixo [mais até que nas fotos] bigode encerado e capote cinza, o Chefe entra no elevador. Arrasta a voz:

- Como vai o aço, camarada?

- Vai bem, Camarada Secretário-Geral. A produção aumentou 200 por cento.

-E o petróleo, camarada?

- Vai bem. A produção aumentou 300 por cento.

-E o algodão, camarada?

- Vai bem. A produção aumentou 400 por cento.

-E este elevador?

- É o mais moderno, Camarada Secretário-Geral. Um orgulho da indústria Soviética.

O Chefe cofia o bigode. A voz arrasta o dobro:

- Este elevador está parado, camarada. Até você está me traindo.

E o camarada acordava, o suor a gelar o travesseiro.

Sete membros da cúpula do Partido alegaram [posteriormente e de forma não totalmente verossímil] ter tido o mesmo pesadelo na véspera da visita do Generalíssimo I. V. Stalin a Amhitar hoje em 1947. Iria inaugurar mais conquistas da Revolução Proletária e de quebra, ser o primeiro a passear no primeiro elevador do país, que constava do primeiro arranha-céu [do alto de seus nove andares].

A vinda detonou pesadelos para os burocratas do Partido e ameaças para jovens mecânicos, advertidos 999 vezes de que tudo deveria funcionar, senão...

Senão Nada. Stalin não veio. A explicação oficial é que assoberbado por uma complexa conjuntura externa, o Guia Genial dos Povos teve de se privar deste importante périplo. [A explicação não-oficial – que um caviar de esturjão estragado o prendeu ao banheiro do Kremlin – é considerada por demais humilhante ao país].

Paulo Avelino

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sexta-feira, 19 de julho de 2013

EGOS OPOSTOS



 
 



     Dois escritores conversando sobre as próprias qualidades literárias:

— Se “os bons" morrem primeiro o que eu ainda estou fazendo aqui?

— É por isso que eu dou graças a Deus escrever mal.
 

 

Bernivaldo Carneiro


 

 

     

quarta-feira, 17 de julho de 2013

MOINHO



 
Brennand de Sousa


Duas da matina. Dali viam-se os campanários da Sé. Pertinhos, mas tão inacessíveis! por cima deles as flechas pareciam buscar uma brecha de céu entre as nuvens que se aninhavam. a pouco mais de um metro encontrava-se sua persistente mulher e para esbofeteá-la não lhe custaria mais que dois passos. com desdém desviou o olhar para o interior do cortiço. dois dos meninos dormiam jogados sobre algumas camadas de lençóis sujos. os outros três deveriam estar pela praia de iracema. a menina com certeza. apenas um bico de luz abafada pelo breu que descia pesado sobre seu cubículo. as lamúrias da mulher pareciam preencher tudo mais. quem deveria estar emputecido era ele. padre almério nunca mais lhe chamara pra fazer qualquer serviço na sé, aquele escroto! arranjou outro com certeza. mais barato era que duvidava. velho pirangueiro! agora tinha que voltar pr’esse buraco mais cedo, sem tostão, sem goró...
um colega de biscate veio com a história de que a igreja agora só contratava firma. este mesmo colega, certa feita, afirmou com muita propriedade que a diferença de altura entre uma e outra torre da catedral seria coisa de quinze centímetros! puto! será que por acaso palmilhou aquelas torres? ou anda comendo o padre almério? sei, lá...
depois de ouvir por vinte minutos de sermão continuado da mulher, inquiriu-a pelo destino da putinha michele. e pra onde foi tua filha, afinal? que o deixasse em paz... ele e sua cachaça, porra! pouco importava-lhe os meninos machos. que se fodam... não querem virar gente. alguém precisa virar gente nessa casa! vociferou enfim.
assim? feito você? A mulher de novo. Assim, traste?
voltou a mirar a igreja. de lá, da governador sampaio, a fachada lateral do templo formava um paredão com o início da rua. uma brisa ensaiou acariciar seu peito suado. lembrou certa feita de um lindo dia de sol quando teve de reparar algumas telhas da catedral que haviam sido deslocadas pelo vento de junho. nunca esteve tão perto daquelas flechas. seus pés flutuavam pela cumeeira da casa de nosso senhor, assim... como se caminhassem pelo espinhaço de deus... apenas o céu e o mar de iracema como testemunhos, solto que estava entre os dois azuis.  
os primeiros pingos da noite molharam sua mão e despertaram-no do transe. o cheiro de mofo molhado invadiu o ambiente. chuva. as nuvens já tomavam toda a região. aqui não fico. é dar um jeito de reencontrar neco e guabiraba. com uma chuva dessas eu me viro no cão, mas arranjo pinga. antes de sumir daquele lugar ouve as últimas da mulher... não antes de mandá-la caçar a filha. chovia grosso. missão quase impossível rever os amigos num toró daqueles, mas escapuliu do moquifo.
caminhava pela almino pinto quando percebeu estranha movimentação. primeiro a moto que passava lentamente pela conde d’eu. em seguida a pequena vã vermelha coroada por uma sinaleira amarela parecia alertar para algo importante... marmota? agora a boleia de um grande máquina apontava pela esquina. também em baixa velocidade e... e... em cima... aparecia... que diabo seria aquilo? um bicho descomunal!!! o caminhão passava pelo recorte das esquinas e não terminava nunca. a chuva forte não permitia boa visão, mas se tratava de um enorme e branco animal. trinta metros, por baixo! apertou o passo até o final da rua. a água forte escorria caudalosa pelo lombo daquilo que parecia uma enguia decapitada. o peixe ou o que quer que fosse aquilo, com certeza, estava morto. não esboçava movimento, isso era visível. o porte era realmente inacreditável, extraordinário. noca e guabiraba precisariam ver aquilo. decerto troçariam dele... claro, abençoada cachaça! e o rabo do bicho ainda passava uns três metros da carroceria! teve ímpetos de sair correndo atrás. queria tocar o animal para ter a certeza de que não estava sonhando... acompanhar o veículo enquanto suas pernas permitissem.  o motorista da outra vã – a que guardava o final do cortejo – deve ter percebido seu estado de inquietação. parecia gargalhar na cabine enquanto o olhava absorto no meio da rua... mas aquilo sim, era uma prova viva de deus... prova viva, rapaz! por fim, ajoelhou-se na rua enquanto observava o animalaço distanciar-se lentamente e sumir na curva da sena madureira. mirou a balaustrada da praça dos leões. queria estar por ali para ver o espetáculo de cima.  
nova motocicleta lá pra baixo do mercado central surgia na sua direção, mas essa vinha rápido demais. parecia anunciar coisa nenhuma. somente alguém querendo fugir da chuva. haveriam dois, três? impossível a natureza produzir duas coisas daquelas.
agora, mais que nunca, desejava encontrar noca e guabiraba pra contar-lhes a nova. caiu em procura dos dois desvairadamente. a cabeça cheia, a língua seca. chovia cântaros quando cruzou o viaduto da presidente castelo branco e emburacou pela zé avelino. em qualquer canto, ninguém a mais que ele naquele domingo trevoso. o bicho não desgrudava de sua ideia... branco, liso, gigantesco... inerte.  pra onde o levariam? que destino sofreria o enorme cadáver? como teriam agarrado algo daquele tamanho? onde noca e guabiraba que não apareciam? teriam visto o enorme peixe descabeçado?
O centro alongava-se noite a dentro.

terça-feira, 16 de julho de 2013




Janeiro.

A carta apareceu. Curiosos, todos leram a história inacabada.

Lua do janeiro seguinte.

Nas cidadezinha ainda com medo, a última frase da carta apareceu desvendando o mistério.

Do livro O colecionador de dedos.

Silas Falcão

QUERO





                

Ter o amor como esteio da criação
Quero presente sua companhia.
Quero acalanto como "um ser-no-mundo"
Que a luz do sol mostre o caminho certo.
Seus gestos simples emprestarem leveza à vida
Seu sorriso esculpido pelos deuses.
O seu vivo olhar derramar rios de ternura
Quero ver o romper matutino.
E ficar às claras.
Quero as convulsões das palavras escondidas
E distanciar-me dos sentimentos submersos
E gritar no deserto de um silêncio traidor
Quero recolher do chão as folhas mortas
E melhorar os pensamentos mórbidos e fugazes.
E retirar o temor das grandes noites
Empoeiradas pela escuridão
Conduzindo nos braços dos sonhos que não escolhi sonhar.



Gilson Pontes

segunda-feira, 15 de julho de 2013

A PERGUNTA TEM SIDO RECORRENTE: O QUE VOCÊ ACHOU DA FLIP? EM RESPOSTA, ESCREVI O SEGUINTE TEXTO



Há uma Flip para cada um, ou seja, cada um sabe o que busca num evento como a Flip.

Na Flip há carnaval (literalmente), com marchinhas e bonecos; na Flip há cachorros muitos, alguns pareciam o Mike Tyson, de tão fortes – este ano percebi que todos sonhavam com um mundo cheio de preás, como a gracilianiana Baleia (estrela da festa – acho que foi por isso que o escritor americano Tobias Wolff leu para nós A Dama do Cachorrinho, de Tchécov).

Na Flip sobram mister - sir - miss - mademoiselle, mas por lá também encontrei algumas sinhas vitórias e fabianos, pelos cantos, meio refugiados, tentando segurar um pouco de concreto daquela doce ilusão.

Na Flip há muita gente bonita, muitos livros e muita bebida; há também na Flip artistas anônimos que tiravam um som arretado e me faziam parar na rua para me reposicionar no mundo. 

Na Flip há um mar cativante e muitas serras buscando o céu; há na Flip um corre-corre por livros, palestras literárias, comidas, bebidas, mas principalmente por banheiros: meu Deus, como o simples ato de urinar tornou-se precioso na Flip (“Meu reino por um banheiro!” – escutei alguém gritar).


Há na Flip muitas pedras redondas e lisas que não me deixavam tirar os olhos de cada palmo de chão que pisava – logo eu, um flaneur inveterado, que adora andar de cara pra cima procurando platibandas, balaustradas e campanários (lá se foram dois pares de sapatos e uma dupla de joelhos). 

Meus amigos, na Flip tem de cada tudo um pouco. Havia a Flip da galera e do Galera, das pessoas e do Pessoa, das lobinhas e do Lobão e do Wolff (quem teve a idéia de juntar no mesmo evento o Lobão e o Gil?)

Encontramos na Flip imortais caminhando pelas ruas, andando sobre as pedras como quem anda sobre as águas. Vi ternos menininhos cantando (para ganhar uns trocados) e lindas mulheres sorrindo (para maltratar corações).

Flip... Flip... Todos falavam dessa mulher: uns difamavam seu nome, outros desejavam seu corpo. Tive a oportunidade de conhecê-la de perto. Amei-a como se deve amar, laureando as qualidades, subjugando os defeitos. A Flip é uma mulher fatal, e quem não a conhece deveria conhecer. Não é prático nem ético julgar o desconhecido.

Agora falando sério (só para lembrar Chico Buarque): Há mesmo uma Flip para cada um. Tive que escolher a minha. Enquanto técnico de cultura do Sesc e amante das letras, escolhi a Flip dos livros, das mesas literárias de substanciosos conteúdos, a Flip de Graciliano, mas também de Pessoa, a Flip de Hatoum, de Rui Castro, de Lourival Holanda, a Flip do intercâmbio cultural, dos bons contatos, da amizade permeada de livros, dos artistas de esquina, dos escritores anônimos nomeando coisas para transformarem em livros. 

Entre tantas flips, escolhi a minha, que só foi tão minha assim porque vivida com outros, por outros, nos outros. E posso dizer, sem hesitar: Sim, valeu a pena!

Carlos Vazconcelos


terça-feira, 9 de julho de 2013




CONFESSIONÁRIO

- Pode contar seus pecados, meu filho.
- Padre, sou seu neto.

Silas Falcão

29 de junho, noite de São Pedro, o Abraço Literário realizou no sítio do padre Bernivaldo Carneiro, o Arraiá do Abraço. Casamento matuto, comidas típicas, cervejas e muito forró se esparramaram nesta noite festiva.



Padre Bernivaldo Carneiro e Anastácia
Casamento matuto. Delegada feroz.
Do Carmo e Rosa Morena

Terciana