Postagem de Silas
Falcão*
19 de novembro de
1988
Como conheci
pessoalmente Graciliano Ramos. Anos {19}40. Eu estava no Rio de Janeiro e
levava comigo os originais do meu primeiro livro de contos: Vidas Marginais. Queria ouvir a sua
opinião, pois o considerava e considero um dos grandes escritores deste país.
Conduzia comigo uma carta de apresentação de João Clímaco Bezerra, já seu
amigo. Descobri o mestre milagrosamente sozinho, sentando num banco comprido ao
fundo da antiga livraria José Olímpio. Lugar quase cativo. Ao lado, uma cadeira
em cujo espaldar ele punha o paletó. No momento, amassava um cigarro Selma,
tirando-lhe um pouco de fumo.
- É o mestre
Graciliano Ramos? - perguntei-lhe.
- Não. Sou
Graciliano Ramos ou Graça. Como você quiser.
Perturbei-me um
pouco. Entreguei-lhe a carta de apresentação, que ele leu rápido,
perguntando-me pelo Clímaco.
- Vai bem.
Já sentado, disse-lhe
o que desejava. Que ele, por obséquio, lesse o meu livro e me desse a sua
opinião. Não era meu desejo pedir-lhe que o apadrinhasse para uma possível
publicação. O seu julgamento bastava-me.
Sentei-me nervoso,
catando as palavras.
Graciliano abriu o
livro. Leu umas duas páginas. No momento chega a escritora Leoni Tolipan (?), a
quem ele passa os originais, com esta observação:
- Veja como o
estilo dele é dinâmico.
Chagavam
escritores, que o cercavam: José Lins do Rego, Rubem Braga e outros, aos quais
me apresentava. Fui-me sentindo gauche, sem
encontrar palavras sábias ou inteligentes para uma conversa.
Ao tempo, era
profundamente tímido.
Ele marcou um dia
da semana para devolver-me o livro. Despedi-me, batendo com a cabeça. No dia
marcado, e hora, eu estava lá, e ele também, no mesmo banco comprido, o paletó
no espaldar da cadeira, desfazendo igual cigarro Selma. Sua palavra seria minha
esperança ou condenação como possível escritor.
Tremia.
Ele apanhou os
originais ao lado:
- Li e gostei
deveras.
Uma onda de sangue
subiu-me ao rosto, literalmente feliz. Disse-me também que sua senhora o lera,
gostara muito e me convidava para almoçar com eles no domingo.
Era a consagração!
Foi quando, por
encabulamento, temendo encontro difícil com outros intelectuais, cometi a
imensa gafe de recusar o convite e convidá-lo para almoçar comigo num
restaurante qualquer da cidade. Ele não foi ríspido. Riu, irônico:
- Se você não
aceita convite de minha mulher, eu vou aceitar convite seu?
Quase morro,
vermelhíssimo.
Contudo, ele
sempre me tratou com muita simpatia. Talvez sentisse em mim o matuto que ele
fora em Quebrangulo ou Palmeira dos Índios.
*Porta
de Academia é uma série de escritos (1987-1994) do Caderno Fame, Jornal O Povo.
Sempre aos sábados eram editadas as crônicas de Moreira Campos (1914-1994),
contista dos melhores da literatura brasileira. Livro classificado pela Premio
Otacílio de Azevedo de reedição, (Secult-CE). Edições da UFC, 599 páginas
impressas na Premius Editora. Porta de Academia foi coordenada por Neuma Cavalcante
e organização de Isabel Gouveia Ferreira Lima. Edição 2013.
Minha
primeira e extraordinária leitura de 2014. Leiam.
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