terça-feira, 21 de janeiro de 2014



Postagem de Silas Falcão*

19 de novembro de 1988

Como conheci pessoalmente Graciliano Ramos. Anos {19}40. Eu estava no Rio de Janeiro e levava comigo os originais do meu primeiro livro de contos: Vidas Marginais. Queria ouvir a sua opinião, pois o considerava e considero um dos grandes escritores deste país. Conduzia comigo uma carta de apresentação de João Clímaco Bezerra, já seu amigo. Descobri o mestre milagrosamente sozinho, sentando num banco comprido ao fundo da antiga livraria José Olímpio. Lugar quase cativo. Ao lado, uma cadeira em cujo espaldar ele punha o paletó. No momento, amassava um cigarro Selma, tirando-lhe um pouco de fumo.
- É o mestre Graciliano Ramos? - perguntei-lhe.
- Não. Sou Graciliano Ramos ou Graça. Como você quiser.
Perturbei-me um pouco. Entreguei-lhe a carta de apresentação, que ele leu rápido, perguntando-me pelo Clímaco.
- Vai bem.
Já sentado, disse-lhe o que desejava. Que ele, por obséquio, lesse o meu livro e me desse a sua opinião. Não era meu desejo pedir-lhe que o apadrinhasse para uma possível publicação. O seu julgamento bastava-me.
Sentei-me nervoso, catando as palavras.
Graciliano abriu o livro. Leu umas duas páginas. No momento chega a escritora Leoni Tolipan (?), a quem ele passa os originais, com esta observação:
- Veja como o estilo dele é dinâmico.
Chagavam escritores, que o cercavam: José Lins do Rego, Rubem Braga e outros, aos quais me apresentava. Fui-me sentindo gauche, sem encontrar palavras sábias ou inteligentes para uma conversa.
Ao tempo, era profundamente tímido.
Ele marcou um dia da semana para devolver-me o livro. Despedi-me, batendo com a cabeça. No dia marcado, e hora, eu estava lá, e ele também, no mesmo banco comprido, o paletó no espaldar da cadeira, desfazendo igual cigarro Selma. Sua palavra seria minha esperança ou condenação como possível escritor.
Tremia.
Ele apanhou os originais ao lado:
- Li e gostei deveras.
Uma onda de sangue subiu-me ao rosto, literalmente feliz. Disse-me também que sua senhora o lera, gostara muito e me convidava para almoçar com eles no domingo.
Era a consagração!
Foi quando, por encabulamento, temendo encontro difícil com outros intelectuais, cometi a imensa gafe de recusar o convite e convidá-lo para almoçar comigo num restaurante qualquer da cidade. Ele não foi ríspido. Riu, irônico:
- Se você não aceita convite de minha mulher, eu vou aceitar convite seu?
Quase morro, vermelhíssimo.
Contudo, ele sempre me tratou com muita simpatia. Talvez sentisse em mim o matuto que ele fora em Quebrangulo ou Palmeira dos Índios.

*Porta de Academia é uma série de escritos (1987-1994) do Caderno Fame, Jornal O Povo. Sempre aos sábados eram editadas as crônicas de Moreira Campos (1914-1994), contista dos melhores da literatura brasileira. Livro classificado pela Premio Otacílio de Azevedo de reedição, (Secult-CE). Edições da UFC, 599 páginas impressas na Premius Editora. Porta de Academia foi coordenada por Neuma Cavalcante e organização de Isabel Gouveia Ferreira Lima. Edição 2013.

Minha primeira e extraordinária leitura de 2014. Leiam.


Nenhum comentário:

Postar um comentário