Quem tem medo do Vampiro?
Crônica quinzenal de Pedro Salgueiro.
Aos sábados no O Povo
Leio Dalton Trevisan há tantos anos
que até me esqueci de quando comecei, talvez nos anos 1980, ainda na faculdade,
ou mesmo antes. Lembro que senti um arrepio imediato, uma perturbadora
inquietação. Diria que foi uma “identificação à primeira vista”. Depois disso,
fui adquirindo um livro dele atrás do outro, dos antigos aos mais recentes, que
— nessas mais de três décadas — foram sendo lançados.
Sua
coleção ocupa a parte mais alta de minha modesta estante de clássicos, não de
clássicos mortos (aqueles livros chatos que lemos uma vez na vida, quase sempre
por obrigação, e nunca mais visitamos), mas de “clássicos pessoais”, aquelas
obras que, de tanto gostarmos, passam a fazer parte de nossa vida, e que
retornamos sempre, nem que seja para uma pestanejada antes de dormir.
O
velho Vampiro de Curitiba passou a ser uma companhia constante, quase diária. E
diversas têm sido para mim suas utilidades, desde o mais elementar
divertimento, o trivial passatempo, a distração em fila de banco, até leituras
mais sérias de aprendizado da escrita. Mas talvez a maior “função” encontrada
com a leitura de seus contos tenha sido a de “desintoxicação literária”;
explico: não raro, nos deparamos com aquele livro chato, de cintura dura,
difícil de descer retinas abaixo; e depois da briga para chegar à derradeira
página, da tristeza pós-parto (a fórceps, diria), vem um desânimo danado; foi
então que por acaso descobri que bastava uma frase de Trevisan para recobrava o
força, a vontade de continuar enfrentando novamente outras páginas.
Então,
por motivos lúdicos e terapêuticos, aguardo ansiosamente os novos livros dele,
como aquelas nossas velhas tias aguardam pacientes o disco de fim de ano de
Roberto Carlos; pois essa espera já faz parte de uma tradição pessoal, um rito
de passagem: o ano não terminará de verdade sem a leitura inquietante,
prazerosa, do seu mais recente livro.
Em
2013 o presente foi especial, recebi seu costumeiro pacotinho de Natal, desta
vez com dois (morram de inveja: autografados!) volumes: sua segunda (e rara, a
primeira foi de 1985, A Polaquinha) novela, Nem te conto, João, com seus
“benditos” João e Maria em novo encontro, repleto de deliciosos diálogos, no
cultuado estilo do autor; e “de brinde” uma verdadeira joia literária, Até
você, Capitu: reunião de textos em que faz referências a escritores e livros,
mostrando sua admiração por Machado, Mansfield, Tchekhov, Pedro Nava, Rubem
Braga, também desancando outros, sobra até para José de Alencar, Guimarães Rosa
e Jorge Luis Borges (e nem ele mesmo escapa de sua navalha amolada, no irônico
“Quem tem medo do Vampiro?”). Nessa pequena obra prima temos uma espécie de
“Poética do Vampiro”, recheada de deliciosas referências literárias, como uma
curiosa carta de agradecimento ao prêmio Machado de Assis da ABL, vários
bilhetes desancando ax-amigos oportunistas, parentes sem escrúpulos e
professores mal informados, além de breves (e fundamentais) conselhos
estilísticos.
O
que mais podemos desejar, além de agradecer, ao nosso maior escritor vivo é que
continue a nos presentear com sua maravilhosa literatura, singular e viva, que
cada vez mais conquista admiradores pelo mundo afora.
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