sábado, 1 de fevereiro de 2014




Quem tem medo do Vampiro?

Crônica quinzenal de Pedro Salgueiro. Aos sábados no O Povo
Leio Dalton Trevisan há tantos anos que até me esqueci de quando comecei, talvez nos anos 1980, ainda na faculdade, ou mesmo antes. Lembro que senti um arrepio imediato, uma perturbadora inquietação. Diria que foi uma “identificação à primeira vista”. Depois disso, fui adquirindo um livro dele atrás do outro, dos antigos aos mais recentes, que — nessas mais de três décadas — foram sendo lançados.
Sua coleção ocupa a parte mais alta de minha modesta estante de clássicos, não de clássicos mortos (aqueles livros chatos que lemos uma vez na vida, quase sempre por obrigação, e nunca mais visitamos), mas de “clássicos pessoais”, aquelas obras que, de tanto gostarmos, passam a fazer parte de nossa vida, e que retornamos sempre, nem que seja para uma pestanejada antes de dormir.

O velho Vampiro de Curitiba passou a ser uma companhia constante, quase diária. E diversas têm sido para mim suas utilidades, desde o mais elementar divertimento, o trivial passatempo, a distração em fila de banco, até leituras mais sérias de aprendizado da escrita. Mas talvez a maior “função” encontrada com a leitura de seus contos tenha sido a de “desintoxicação literária”; explico: não raro, nos deparamos com aquele livro chato, de cintura dura, difícil de descer retinas abaixo; e depois da briga para chegar à derradeira página, da tristeza pós-parto (a fórceps, diria), vem um desânimo danado; foi então que por acaso descobri que bastava uma frase de Trevisan para recobrava o força, a vontade de continuar enfrentando novamente outras páginas.

Então, por motivos lúdicos e terapêuticos, aguardo ansiosamente os novos livros dele, como aquelas nossas velhas tias aguardam pacientes o disco de fim de ano de Roberto Carlos; pois essa espera já faz parte de uma tradição pessoal, um rito de passagem: o ano não terminará de verdade sem a leitura inquietante, prazerosa, do seu mais recente livro.

Em 2013 o presente foi especial, recebi seu costumeiro pacotinho de Natal, desta vez com dois (morram de inveja: autografados!) volumes: sua segunda (e rara, a primeira foi de 1985, A Polaquinha) novela, Nem te conto, João, com seus “benditos” João e Maria em novo encontro, repleto de deliciosos diálogos, no cultuado estilo do autor; e “de brinde” uma verdadeira joia literária, Até você, Capitu: reunião de textos em que faz referências a escritores e livros, mostrando sua admiração por Machado, Mansfield, Tchekhov, Pedro Nava, Rubem Braga, também desancando outros, sobra até para José de Alencar, Guimarães Rosa e Jorge Luis Borges (e nem ele mesmo escapa de sua navalha amolada, no irônico “Quem tem medo do Vampiro?”). Nessa pequena obra prima temos uma espécie de “Poética do Vampiro”, recheada de deliciosas referências literárias, como uma curiosa carta de agradecimento ao prêmio Machado de Assis da ABL, vários bilhetes desancando ax-amigos oportunistas, parentes sem escrúpulos e professores mal informados, além de breves (e fundamentais) conselhos estilísticos.


O que mais podemos desejar, além de agradecer, ao nosso maior escritor vivo é que continue a nos presentear com sua maravilhosa literatura, singular e viva, que cada vez mais conquista admiradores pelo mundo afora.

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