quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

                                  EM TODOS OS SENTIDOS


                       

1.  Eu vivo porque vejo.                                         O olhar
Sou a planta que vira o pescoço
inclina o caule imantado
para que a folha castanha
o olho verde de folha
a cor que olha desfolhe
o girassol que é o sol,
Guarde-o dentro da bolha
e transforme as formas em fé.
Vejo, que é minha oração
que rezo todo contrito
Mas quero da luz ser o meio
pois vejo Deus e não creio
que de tão grande e bonito
exista e seja o que é.
                                  
                                   *
2.  A côdea invade a boca                                      Céu/Inferno
ensangüentada de café. É a manhã.
A boca sabe o que Deus quis dizer
na carne da maçã -
Não gerem filhos meus
            bocas desirmãs...
Em Damasco ou Lima
a hortelã
fala à mesma língua
como se uno fosse o homem.
E eis a cebola cortada em hóstias,
a água que é vinho e sangue
O milagre do peixe em postas,
e o gosto amargo da fome.

                                   *
3.  Ó narinas                                                           O perfume
por onde a alma das coisas se escreve em mim
Notai: - Estão chegando no ar
as moças saídas do banho
E para que nunca se apaguem
anotai nos livros do encanto.
Olhai os lírios do campo.
Há vales e bois pastando
nos cheiros do que me lembro...
Bebei o suco no vento
dos frutos da estação
Ouvi no cheiro da chuva
o chapinhar antigo dos cascos,
Colhei o suor das mães
nas flores dos seus sovacos.

                                   *
4.  O que tu falas                                                    A canção
põe na minha boca
o sabor do pão
Põe nos meus ouvidos
a intenção dos hinos
Põe na minha alma
o sopro e a força.
O que te ouço
pinta de luz
o que penso
Desenha o sorriso
em meus lábios
E faz escorrer
de meus olhos
as águas doces do mar.

                                   *
5. É sábia a pele.                                                     A carícia
A febre sabe em si
            o sol do meio-dia
E sabe o mar a pele
            por ter sal
E sabe o rio, o sabre, a seda
            e sabe o ardor
E sabe mais porque se
            excita de intangível.
Assim se a pele negra
            sente náusea da História
E a branca expele
            o suor de seu rancor
Somente a pele nua,
            a que se despe de sua cor,
Sabe da carícia ser sua ave
E eriça o poro, não por frio,
                       por amor.


Carlos Nóbrega

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