EM TODOS OS SENTIDOS
1. Eu vivo porque vejo. O olhar
Sou a planta que vira o pescoço
inclina o caule imantado
para que a folha castanha
o olho verde de folha
a cor que olha desfolhe
o girassol que é o sol,
Guarde-o dentro da bolha
e transforme as formas em fé.
Vejo, que é minha oração
que rezo todo contrito
Mas quero da luz ser o meio
pois vejo Deus e não creio
que de tão grande e bonito
exista e seja o que é.
*
2. A côdea invade a boca Céu/Inferno
ensangüentada de café. É a manhã.
A boca sabe o que Deus quis dizer
na carne da maçã -
Não gerem filhos meus
bocas desirmãs...
Em Damasco ou Lima
a hortelã
fala à mesma língua
como se uno fosse o homem.
E eis a cebola cortada em hóstias,
a água que é vinho e sangue
O milagre do peixe em postas,
e o gosto amargo da fome.
*
3. Ó narinas O perfume
por onde a alma das coisas se escreve em mim
Notai: - Estão chegando no ar
as moças saídas do banho
E para que nunca se apaguem
anotai nos livros do encanto.
Olhai os lírios do campo.
Há vales e bois pastando
nos cheiros do que me lembro...
Bebei o suco no vento
dos frutos da estação
Ouvi no cheiro da chuva
o chapinhar antigo dos cascos,
Colhei o suor das mães
nas flores dos seus sovacos.
*
4. O que tu falas A canção
põe na minha boca
o sabor do pão
Põe nos meus ouvidos
a intenção dos hinos
Põe na minha alma
o sopro e a força.
O que te ouço
pinta de luz
o que penso
Desenha o sorriso
em meus lábios
E faz escorrer
de meus olhos
as águas doces do mar.
*
5. É sábia a pele. A carícia
A febre sabe em si
o sol do meio-dia
E sabe o mar a pele
por ter sal
E sabe o rio, o sabre, a seda
e sabe o ardor
E sabe mais porque se
excita de intangível.
Assim se a pele negra
sente náusea da História
E a branca expele
o suor de seu rancor
Somente a pele nua,
a que se despe de sua cor,
Sabe da carícia ser sua ave
E eriça o poro, não por frio,
por amor.
Carlos Nóbrega
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