Vilões e mocinhos
Manuel Soares Bulcão
Paulo Honório, personagem de Graciliano Ramos, pertence ao tipo que, nos Estados Unidos, chama-se self-made man, isto é, alguém que se fez por si próprio — no caso dele, destruindo almas pelo caminho. Não é, entretanto, pessoa inteiramente má: nas páginas finais do romance São Bernardo, esse homem agreste (elemento entre outros da caatinga) pune-se numa comovente autorreflexão. E diz: “Não consigo modificar-me, isso é o que mais me aflige.”
Decerto que, no processo de formação do caráter, este tende a se cristalizar a partir de certa idade, adquirindo a força de uma segunda natureza. Mas, não haveria na aflição do velho Honório algo que contradiz sua vileza, um quê de bondade que já consiste numa modificação? Ou seu fim, melancólico como um soluço, seria apenas a intensificação do seu modus vivendi pregresso? Pois seu isolamento – interpretariam alguns –, antes emocional, tornou-se também físico, e sua agressividade, menos viril do que sádica, espraiou-se a ponto de envolvê-lo como vítima, de voltar-se contra ele próprio, fazendo-o abandonar sua fazenda aos calangos e carrapichos. E quanto ao resquício de bonomia, isso subsiste em todos nós, inclusive nos sociopatas (definitivame nte, anjos e demônios não existem).
Crônica publicada no jornal Diário do Nordeste em 30/01/2011.
Um comentário:
Amigos, quero essa crônica
Por inteiro publicada:
Porque assim frag/mentada
Perde seu sentido, a tônica!
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