Fronteira
Pedro Salgueiro para O Povo
O vasto horizonte mirado com angústia: primeiro as sobrancelhas cerradas, a mão em pala; depois os óculos claros, vislumbrando ínfimos detalhes; mais além o binóculo rápido; e por fim a luneta de tripé apoiada no peitoril da janela. (A porta da frente travada, os galhos ressequidos sobre o muro.)
Em cima da mesa, o antigo manual de técnicas de fuga, de caminhos alternativos, de atalhos perfeitos. Aos seus pés a gasta bússola, mapas encardidos e rabiscados nos trópicos. A xícara de café esquecida; a bagana de cigarro inútil nas cinzas. (Quanto mais longe... — o país distante, um mundo imaginário, paisagens de televisão.)
Os olhos peritos não enxergam mais os pés sujos, as unhas compridas, o filete de baba maculando o colarinho, as baratas no canto escuro do quarto. No quintal o verde úmido dos musgos, o tronco seco da goiabeira, os cacos de telhas trocadas no último inverno.
Rangendo leve, a cadeira de balanço da companheira triste, também esquecida dos filhos distantes, a esperar eternamente pelo retorno das andorinhas, o cantar dos galos nos quintais vizinhos, rezando uma prece em silêncio, no mais absoluto silêncio...
Por último, cavou trincheiras no jardim e montou observatório no galho mais alto da ingazeira do quintal. Canto algum ficou descoberto de um possível ataque. Testou todos os alarmes, checou lunetas e binóculos, lustrou a velha espingarda. E nem se deu conta de que o adversário, zeloso de seus cuidados, se infiltrara há muito em sua guarda, já organizava junto com ele as mil situações de defesa, sussurrando em seu ouvido opiniões absurdas, desfocando lentes, cuspindo debochado no assoalho da sala enquanto ganhava a confiança de sua companhia. (Se não olhasse para tão longe já o teria visto, de sorriso maroto, destampando as panelas no fogão.)
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