terça-feira, 12 de abril de 2011

                                         Selva high-tech

Na crônica "Gengis Khan na poeira", comentei o meu espanto ante o fato de, graças à alta tecnologia, viver melhor, "em muitos aspectos", que a nata da elite do mundo pré-industrial. Alguns amigos, em mensagens de e-mail, levantaram questões que, realmente, põem em xeque esse entusiasmo. Não sou bom enxadrista, mas vamos ver como me saio.

Sim, foi feito um teste e restou provado que uma Ferrari demora muito mais a atravessar Londres, hoje, do que uma carruagem no século XIX. Será, porém, que isso se deve mais à tecnologia moderna em si ou à sua conformação - acidental - ao sistema sócio-econômico em que vivemos?

O capitalismo tudo ajusta ao critério da máxima lucratividade. Ora, o consumo individual é, em regra, muito mais lucrativo que o coletivo. Por isso que engarrafamentos de veículos (a maioria ocupada apenas pelo motorista, embora com espaço para mais quatro passageiros) são comuns em nossa rotina urbana.

Além do mais, não é interessante à indústria capitalista produzir nada que seja muito durável. Pois, se o automóvel (ou qualquer mercadoria que incorpore alta tecnologia) for resistente à ação corrosiva do tempo, a demanda logo se satura, isto é, não restará ninguém a quem vender. Daí a invenção, pela gerência científica, desse artifício irracional conhecido como "obsolescência planejada do produto": a fabricação em massa de artefatos com vida útil deliberadamente curta - a rebimboca da parafuseta funcionando melhor como bomba-relógio: na hora marcada, explode.

Outro artifício (dentre muitos) para manter e mesmo ampliar a demanda é a facilitação da venda a crédito: parcelar a compra da engenhoca eletrônica dos sonhos em noventa prestações (com juro alto, porém tão diluído que somente o vizinho invejoso - e próximo endividado - é capaz de perceber). O resultado de tudo isso, chamo-o de efeito "blade runner": pobreza (grande legião de inadimplentes) e poluição "high-tech". E há quem ache (as carcaças da fauna recém-extinta dos neoliberais) que tal realidade "noir" é o melhor mundo possível para todos os terráqueos.

Enganam-se. Esse modelo, que tem como vitrine as megalópoles estadunidenses, não é universalizável. Com efeito, Segundo Andrew Simms, diretor da "New Economics Foundation", "seriam necessários pelo menos três planetas Terra se todos vivessem nos padrões da Grã-Bretanha. Cinco se vivêssemos como os Norte-americanos".

Admito, porém, que a ciência e a tecnologia que ela implica trazem, por si mesmas, novos problemas: custos sociais e psicológicos.

Até porque, como afirmou Blaise Pascal, o conhecimento é como uma esfera, de sorte que, quanto maior o volume, mais extensa sua superfície, isto é, o contato com o desconhecido. Antes da Revolução Industrial, mesmo o mais simplório camponês conhecia, a ponto de saber consertar, os artefatos da sua lida cotidiana: arado, cata-vento, monjolo, cinto de castidade… Atualmente, quem tem conhecimento dos detalhes estruturais e funcionamento interno do televisor digital, microcomputador, motor de automóvel ou telefone celular? Para a esmagadora maioria - que inclui doutores, literatos e filósofos - é tudo caixinha mágica. Sim, nas palavras do escritor Arthur Clarke, "qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia". Essa não-transparência acentua o que Marx chamou de "alienação": o alheamento dos homens de seus produtos materiais e espirituais. Folhetins e películas de ficção científica têm retratado o horror que isso nos inspira: a humanidade escravizada por máquinas autoconscientes. Selva de pedra, tribos urbanas hostis, animismo "nova era", obscurantismo redivivo… Os deuses e demônios de outrora substituídos por alienígenas - com suas tecnologias misteriosas, místicas.


MANUEL SOARES BULCÃO NETO
Ensaísta

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