sexta-feira, 7 de outubro de 2011


                                 Escritor Cotonete

Por Pedro Salgueiro

Um dos fatos que me fazem acreditar que estou ficando irremediavelmente mais velho é a quantidade de jovens escritores que me pedem para ler seus originais de livros e, claro, para dar minha modesta opinião sobre suas criações literárias. No início estranhava um pouco, dava a desculpa de que não era especialista nem nada, que mal sabia avaliar os meus minguados continhos etc. e tal. Mas com a insistência dos jovens colegas de ofício fui que fui aceitando ler e avaliar e meter o bedelho em algumas coisitas que achava de mau gosto ou fora do lugar, mas sempre com o pé atrás: afinal, quem sou eu para julgar uma pretensa obra de arte? Sequer fiz uma faculdade de Letras, sou um autodidata em tudo na vida, minha leituras são por demais anárquicas e só obedecem aos meus gostos pessoais. E além do mais sei, por experiência própria, que todo mundo é um pouco vaidoso e que no fundo não aceita bem uma interferência externa, principalmente se for negativa, mesmo que a procure.

Junte-se a isso tudo a minha total falta de jeito para análises e vereditos, para desenvolver um texto opinativo sobre quaisquer assuntos, também devido ao meu despreparo teórico sobre vários e variados assuntos, pois fui sempre muito intuitivo, aprendendo as técnicas e conceitos mais por sensibilidade que pela razão, e na maioria das vezes a fórceps. Sou daqueles músicos que apenas tocam de ouvido, que sequer sabem ler uma partitura.

E o que é mais grave: como julgar trabalhos de pessoas que estão apenas, muitas vezes, engatinhando nessa árida estrada do fazer literário, se eu mesmo, já dobrando a casa dos 40, a cada dia aprendo coisas novas (até mesmo com autores bem mais jovens e aparentemente iniciantes) e sou também inseguro quanto aos caminhos que sigo em meus parcos escritos? E como não melindrar (e desestimular) uma jovem promessa literária com julgamentos taxativos e/ou autoritários? Uma arte que se vai aprendendo aos poucos, com muito diálogo, confiança e sinceridade. Não aprendi ainda e acho que nunca vou conseguir, visto que todas as pessoas são diferentes e têm reações diversas, formações múltiplas, objetivos diferenciados e, obviamente, sensibilidades únicas. Encontramos escritores jovens completamente receptivos a sugestões e críticas, mas também outros bastante seguros de suas qualidades (e raramente de suas limitações). O jeito que encontrei foi ir caminhando junto deles, sugerindo que mostrassem para outros leitores (e não apenas os especialistas, pessoas comuns mesmo), que fossem mudando passagens e lendo em voz alta e podando adjetivos, principalmente irem aos poucos aprendendo com outros autores, vendo o que os mestres acharam como soluções para tais e quais dúvidas.

Não é uma tarefa fácil, exige tempo, disposição, conhecimento, mas fundamentalmente uma sensibilidade danada, pois afinal estamos tratando com jovens talentosos, muitos deles que logo, logo estarão (se tiverem força e persistência) nos ultrapassando de longe com belas obras literárias.

Como tenho mesmo muitas dificuldades para análises e conclusões fui preferindo escrever, quando muito, uma “orelha”, daquelas que cabe numa só aba (à esquerda), sugerindo ao autor deixar a segunda para sua própria foto e uma breve biografia.

Se penso que o livro não está ainda pronto para uma publicação, se acredito sinceramente que o autor pode melhorá-lo com boas revisões, substituições de algumas peças ou trechos, falo isso impreterivelmente em particular com ele, jamais o faria em público ou aceitaria escrever um texto expondo tais limitações. Acho que aceitar escrever, a pedido, sobre um autor e “sentar a lenha” ou mesmo fazer restrições veladas e cínicas é de uma descortesia absurda, uma desonestidade intelectual danada.

Então brinco comigo mesmo dizendo que estou me sentindo um verdadeiro “escritor cotonete”, tantas são as “orelhas” que tenho escrito ultimamente, fato que tem me assustado e me levado a essa preocupada divagação sobre a velhice.

P.S (1).: Queria também dizer que me sinto extremamente feliz quando encontro um jovem e esperançoso escritor com seu livro inédito debaixo do braço e partindo para a cruel tarefa de tentar publicá-lo. Não sou, felizmente, daqueles escritores que querem ser os únicos escrevinhadores da face da terra, que se sentem extremamente ameaçados com o talento dos jovens. Também acredito piamente que um escritor se vai fazendo aos poucos, com erros e acertos, amadurecendo ao mesmo tempo em que vai vivendo. E que se ele não se tornar um gênio, mal algum causará à humanidade, tão cheia de coisas piores do que uma simples má obra literária.

P.S (2).: Ultimamente tenho recebido diversas piadas de escritores próximos que, através de “fogos amigos’’, afirmam ser eu apenas um mero distribuidor de elogios, que me falta coragem (eu diria mais: falta é talento mesmo) para uma análise mais profunda, vertical, crítica. Claro que concordo em gênero, número e grau, e o que é pior: pretendo continuar sendo assim, impressionista, superficial, e tenciono continuar passando a “mão na cabeça” dos escritores iniciantes. Aviso ainda aos jovens amigos pretendentes às glórias literárias que é bem mais seguro e eficaz procurar um crítico abalizado (sugiro os tais escritores que me alfinetam), que — mesmo tendo eles, como diz nosso jornalista Alan Neto, “aftas na alma” — irão mais fundo em suas resenhas profissionais. Queria dizer também para esses nobres e críticos colegas que se eu não gostar do livro simplesmente não aceito escrever sobre o mesmo, e que, sinceramente, não me dá prazer algum destilar venenos e indiretas, arrotar regras e conceitos (duvidosos em sua maioria) em cima de jovens escritores, mas prometo a esses gênios que se, nos próximos dias, algum incauto escritor mais jovem me procurar pedindo uma opinião, uma “orelha” ou mesmo uma apresentação, com o maior prazer o encaminharei a tão abalizados críticos, para que eles possam, do alto de suas sapiências e auto-suficiências, esquadrinhar com seus monumentais estiletes os imaturos manuscritos alheios.

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