PANELINHAS
Crônica de Pedro Salgueiro para O povo.
Quase todos nós temos (ou tivemos), desde criança, nossas inevitáveis e fundamentais “panelinhas”.
Primeiro, pra mim, veio a “patota” da escola, seguimos juntos até a oitava série, com raras baixas, uns poucos repetiram o ano, outros mudaram de cidade. Ainda hoje quando nos vemos o coração bate mais forte, saudoso...
Depois veio a “turminha” do futebol, amigos antigos que dividiam sonhos e pelotas. Quase nunca os vejo, empurrados que foram para o “Sul” em busca da sobrevivência. Enorme também é a alegria nos raríssimos reencontros. Vez em quando sonho jogando com eles, os mesmos anseios, as mesmas emoções. Geralmente acordo triste, um vazio fundo cala no peito.
Na cidade grande as “cambadas” se sucedem com rapidez: veloz que a vida é por aqui. Fugazes se foram os amigos do Colégio São João, da Agronomia, da História e da Pedagogia. De quando em vez ainda encontro alguns até do tempo da residência estudantil Réu 125, ali da Paulino Nogueira, na testa da Praça da Gentilândia. Lá aprendi o equivalente a duas faculdades e meia, ou mais, na antiqüíssima escola da vida.
Hoje já coroa, barriguinha proeminente, cabelos poucos e grisalhos, não perdi a mania de “corriolas”, qualquer motivo é válido para reencontrar os novos e velhos amigos. Uma vez por mês algum de nós convoca o restante com um e-mail desabusado, não raro cheio de pilhérias e grosserias. São os malfadados “Poetas de Quinta”, que começaram a se reunir no Assis da Gentilândia às quintas-feiras e, devido ao barulho ensurdecedor do referido bar, hoje vivem a migrar de bodega em bodega.
Alguns levam livros para trocas, verdade que alguns tão ruins que sobram para os garçons. Fala-se um pouco mais sério no início, mas depois se caminha inevitavelmente para as amenidades.
Na turma boa não há preconceito de credo, time ou cor (muito embora sejam raríssimos os alvinegros ou fumantes). Não é fechada, muito pelo contrário, está sempre aberta a novos penetras. A variação de pensamentos e ações é notória: mas todos bebem ou dizem alguma coisa nociva. A gozação chega às raias do quase intolerável. Vez em quando os “meninos crescidos”, para não dizer “quase murchos”, perdem a composturas e saem da linha. Depois da terceira ou quarta cerveja desatam a querer discutir sobre tudo o que é inutilidade pública ou privada.
Nada sério, felizmente, mas algumas rusgas ainda resistem ao tempo e ao perdão. Nenhum dos velhotes se trata pelo nome verdadeiro: pulula uma variedade de apelidos infames, mas geralmente pertinazes com (ou “ao”) o temperamento ou o tipo físico do agraciado.
Uns morrem de raiva, até o próximo encontro quando poderão enfim se vingar.
— Tu lá entende de Maçonaria.
— Entendo, sim, muito mais que você.
— Deixa de ser ignorante!...
Alguém toma partido só pra atiçar os litigantes. Logo mudam de assunto e daqui a pouco já estão falando besteira a respeito de outro assunto.
***
Sei que vou (se não morrer antes, claro) ficar velhinho procurando amigos para encontrar e conversar besteiras, seja no alambrado do PV, no “Banco do Pau-Duro” da Praça do Ferreira, no sofá da Livraria Arte & Cultura, ou num boteco qualquer dessa imensa e sonsa loirinha desmilinguida pelo sol.
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