segunda-feira, 7 de julho de 2014



= PONTAPÉ INICIAL =


         Minha insegurança quanto ao sucesso de nosso Selecionado cresceu a partir do último amistoso pré-Copa, realizado em 6 de junho no estádio Morumbi contra a Sérvia.

Quem disse que a Sérvia não serve? Tanto serve a Sérvia que nos 45 minutos iniciais o Brasil não deu um único chute a gol. Nem longe lembrou a boa apresentação de três dias antes quando goleara o Panamá por 4 x 0. Para a Sérvia não bastava o Basta. Não raro, Mitrovic, Markovic, Dordevic e outros vics (até o Técnico Drulovic é vic) levavam perigo à meta defendida por Júlio César. Ao passo que o goleiro Estoy Convicto (digo: Stojkovic) parecia dizer de si para si: Vocês não são de nada, inocentes! Mas não foi bem assim.

Voltamos melhor no segundo tempo e aos 13 minutos, ao receber lançamento de Thiago Silva, Fred matou a gorduchinha no peito, foi ao chão com a danada e caído a despachou para o fundo do barbante. Jogando pela Seleção, o artilheiro do Flu está se especializando em fazer deitado o que não tem feito de pé. Pois, de modo idêntico fora o seu último gol pela Copa das Confederações 2013. Depois o Brasil viu o auxiliar de arbitragem (um paraguaio com veladas intenções de se naturalizar sérvio), anular um legítimo gol de cobertura do Hulk. Uma obra de arte que agradou aos especialistas em jogadas do tipo (modéstia parte eu me incluo neste seleto grupo) tanto quanto, a avantajada retaguarda do atleta, agrada as mulheres.

Já na partida de abertura deste Mundial, a Croácia que é da mesma escola da Sérvia (tal qual a Eslovênia, Bósnia-Herzegovina, Montenegro e Macedônia, nasceram do desmembramento do extinto Reino Unido da Iugoslávia) vinha inflamada. Também cheia de IC, que se pronuncia ITE. Mas como não poderia ser diferente, o primeiro gol marcado desta copa em terra brasileira foi de um brasileiro. Não exatamente do jeito que desejávamos, obviamente. Ocorreu aos dez minutos, quando num cruzamento da esquerda, depois de passar por Thiago Silva, Luiz Gustavo e David Luiz, já dentro da pequena área, a bola (negando sua condição de brazuca) encontrou o pé esquerdo do Marcelo e traiu nosso arqueiro.

Desde então dois fatos colocavam os nervos dos supersticiosos de prontidão. O fato de o jogo acontecer na Arena Corinthians, onde o Timão jamais experimentou o gosto da vitória e ser o árbitro o japonês Yuichi Nishimura. Exatamente aquele que fechou os olhos para nossas aspirações na Copa de 2010. Não o julgo pela expulsão (Felipe Melo a mereceu), senão pelo pênalti indiscutível em Kaká, que não foi assinalado. Resultado: perdemos para a Holanda por 2 x 1 e demos adeus à competição ainda na antepenúltima etapa.

Mas de volta a esta abertura, o Brasil não se abateu com o gol contra e, em dois momentos de rara felicidade, Neymar (nem adiante ele insistir que eu não me acostumo acrescentar-lhe Júnior ao nome), ocorreram o empate e a virada. O primeiro, marcado ainda na fase inicial da contenda, saiu de um chute mascado em que a bola passou caprichosamente entre as pernas de um adversário e, antes de morrer no fundo do gol, ainda beijou o pé do poste esquerdo Pletikosa. O segundo veio de um pênalti polêmico, de Lovren em Fred. O goleiro croata voou para o canto certo (certo para eles — esclareça-se a bem da brasilidade) tocou na bola, mas pouco lhe alterou a trajetória e ela estufou a rede. Desse modo o homem de olhos puxados compensava (pagando com a mesma moeda) o equívoco de sua miopia, de quatro anos atrás.

No segundo tempo, sobretudo com as entradas de Hernanes e Bernard — “O menino que tem alegria nas pernas”, o time cresceu de produção. E no apagar das luzes, Oscar, o melhor jogador em campo a despeito de a comenda tenha ido para o namorado, daquela menina veia feia que é a Bruna Marquezine... não a digo padrão FIFA porque minha mulher acha que temos um rolo e morre de ciúmes dela... fechou o caixão croata com um velho e bom bico de botina.

E por falar nesse fundamento, de quando em vez improvisado pelos craques sem o menor sentimento de perna-de-pau, lembro: na corrida ao penta o que nos salvou nas semifinais contra a Turquia foi um bicudo do Fenômeno. Assim como é saudável relembrar que, à semelhante desta, em nosso primeiro jogo daquela copa tivemos uma mãozinha do árbitro. Pensando assim, quem dentre nós supersticiosos, duvidaria que ao pousar na camisa de Neymar, durante Brasil versus Croácia, aquela mariposa não tatuou a sexta estrela no brasão do manto verde-amarelo?   
   
Mas pelo sim pelo não, até o próximo dia 13 (data da final desta copa), nós brasileiros estamos terminantemente proibidos de quebrar espelho, de passar debaixo de escada e praticar tudo que porventura possa trazer azar. E digo mais: para garantirmos o caneco, até mesmo quem detesta o PT, deve rezar pela saúde de Zagalo e para ele se juntar ao Lula, à Dilma e companhia. Nada como nestas horas, sobretudo em país governado pelo 13, termos por perto o velho Lobo, que não sofre de TRISCAIDECAFOBIA. Que diabeisso? É simplesmente não ter medo do 13. A Regina Duarte confessou tê-lo e pelo jeito não se deu nada bem. Pois nem nas novelas eu vejo mais essa estrela de primeira grandeza!



Bernivaldo Carneiro

quarta-feira, 2 de julho de 2014



ASSIM FOI O PENTA

= SEGUNDO TEMPO =

        Também tiveram vida efêmera: a Polônia, a Rússia, a Azzurri... A Seleção dos ragazzos cultuados pelo público feminino e assemelhados foi mais uma vítima da Coreia. Deixou a disputa logo nas oitavas de final. No embalo, o Paraguai de Cheiraveia (quiero decir, Chilavet) também nessa fase da competição disse hasta la vista aos que permaneciam. O nada adepto do Fair play não teve chance de cuspir mais uma vez na feia cara de Roberto Carlos (o rei do petardo, não o da música) e voltou mais cedo para casa. Cuidar da própria carreira política era meta. Porém, pesado como estava de tanto papar frango, decerto teria mais sucesso disputando a gerência do Movimento Vigilantes do Peso, do que a presidência de seu país.
Nesse ritmo, um futuro promissor se descortinava para nós. Desde o Mundial anterior, a quinta estrela era reclamada por nossas camisas. E, com esmero e honra, arrumamos as malas dos súditos da Rainha. A propósito, que hino engraçado esse English team!: [...] Deus salve nossa graciosa rainha[...]. Se a Elisabeth em apreço é graciosa, vou candidatar minha octogenária avó a miss-mundo.
Lágrimas ainda banhavam as faces do baby face David Beckham, quando a Coreia (nos pênaltis) decretou o inferno astral de outro selecionado. Desta feita a vítima foi a Fúria, que, com razão, encheu-se ainda mais de ira. E com razão. Qual espanhol sangue de barata acataria de bom-grado a anulação de dois gols legítimos, sendo um na “Morte súbita”?
E neste ritmo nossas chances seguiam crescendo. Novamente enfrentamos os aguerridos turcos e mais uma vez o selecionado defendido pelo goleiro Rüstü (aquele das duas baratas abaixo dos olhos, ou seriam os dois tremas do próprio nome?) tomou peia...
Para quem acha pouco aqui vai outro golpe de sorte nosso. Depois de um apagadíssimo primeiro tempo, logo no início da segunda etapa, o Fenômeno, com “um bico a la Romário” — assim ele definiu sua salvadora obra — carimbou nosso ingresso para a final. Enfim, mais um tento do Ronaldão rumo à artilharia das Copas e à renovação do título de Melhor do Mundo. A propósito, se no intervalo da partida o teimoso Felipão foi convencido a mantê-lo em campo (que já nem era a sombra daquele que lhe rendeu a pecha de Fenômeno), o conselheiro não deve ter sido o barbeiro responsável pelo exótico penteado do craque. Senão, Nossa Senhora do Caravaggio.
Presente em todos os Mundiais (quatro títulos e dois vice-campeonatos) o Brasil finalmente enfrentaria, numa final de Copa, a temida Alemanha. E os germanos vinham credenciados a se igualarem a nós em conquista do caneco. Trazia também na bagagem, além da empáfia, a fama de vencedora. Sugestionado pela definição europeia: “Futebol é um esporte que todos jogam, mas no final os alemães vencem de 1 x 0”, levantei o histórico dos confrontos de nosso selecionado contra eles. A estatística me tranquilizou um pouco apontando friamente a deliciosa mania que eles têm de perder para nós. E isso, somado ao que ouvi do falastrão narrador oficial da Deusa platinada, inspirou-me a esta bairrista paródia: futebol do lado de cá do Atlântico é algo parecido com o que os alemães pensam que jogam, mas só o Brasil sabe jogar e vencer. Não deu outra. Mantivemos a escrita. Calamos o também boquirroto Oliver Kahn. Convertemos seu jeito pastor alemão de ser, em figura de cão sem pedegree e sem rumo. Nossos heróis deram a volta olímpica e o oportunista capitão Cafu fez história. No pedestal do palco da premiação, debaixo de linda chuva de papéis laminados picados e fogos de artifício, caídos da cobertura do estádio e aplausos dos companheiros, ele inspirou fundo, içou o troféu aos céus e a plenos pulmões declarou seu amor à consorte Regina. Sob a amarelinha a afirmação de 100% Vila Irene — comunidade em que nascera e se criara. Enfim, o único atleta do Planeta a participar de três finais seguidas do certame, acabava de marcar pontos com os telespectadores em geral. A mulherada então achou o máximo a aquela declaração de amor em rede mundial. Sem contar que igualmente orgulhosos e felizes ficam os companheiros de sua difícil juventude.  
O Felipão por sua vez, considerado por Dom Dieguito em momento de explícita dor de cotovelo, um aparecildo de alta linhagem, correu para galera. Um feito que o credenciou a desfilar, por onde bem entender, com uma melancia pendurada no pescoço sem ser discriminado. Uma conquista, um título que lhe dá o direito de expor sua figura como melhor lhe aprouver sem arder na chapa quente dos brasileiros. Afinal, qual brazuca que se preza não traz nas veias o verde-amarelismo que tanto mexe com a gente e nos orgulha em tempos de copa do mundo?


Bernivaldo Carneiro


sábado, 28 de junho de 2014

LÚCIO CLETO/ LUCJO GAIVOTA NA 49 FEIRART


O Artista e uma de suas obras


*

Teus dons imateriais
Se concretizam e crias:
Esculturas? - Poesias 
De ferro, latão: metais


Peça de Lúcio: "O Fazedor de Si Mesmo"

*

Quem se martela com a dor
Mas também com a alegria
Que lhe vem a cada dia
De Si Mesmo é o Fazedor


(FEIRART: Feira de Exposição de Artesanato ocorrida nos dias 26-27 de junho, na Praça Luiza Távora, Av. Santos Dumont, 1589, Fortaleza, Ceará. Quadrinhas da postagem: O Poeta de Meia-Tigela) 


sábado, 14 de junho de 2014



Bernivaldo Carneiro

Enquanto o Selecionado Canarinho não me impõe segurança, que tal relembrarmos o Penta? E para não cansar meus leitores (uma legião, que tão diminuta eu os conto numa só mão) farei em dois tempos. Não sem antes dizer que esta Copa está me transformando num cidadão bipolar. Explico: sempre que analiso e comparo nossa Seleção com as concorrentes, minha autoestima oscila ao sabor do vento. Por vezes, de tão alta, sinto-me um argentino; mas logo despenca e sou visitado pela síndrome de vira-lata. Meu conforto nestas horas é relembrar o país e o ano em que vim ao mundo, e ouvir o que Nelson Rodrigues disse a esse respeito: “Os brasileiros nascidos na década de 1950 são tão humildes que se escondem da carrocinha”.
Enfim, de dedos cruzados e a debulhar o rosário para que neste Mundial sejamos abençoados pelos ventos da sorte que nos bafejaram em 2002, vamos ao prometido.


Assim foi o Penta
= primeiro tempo =

Se nas rádios não restava alternativa, o que dizer dos canais de televisão? Sobravam apenas as novelas e os chatos Realities shows. Os telejonais tinham se transformado em programas esportivos que se cercavam de tudo que era possível para, senão incrementar, pelo menos segurar a audiência. Quem desconfiava de que bola de futebol é um objeto esférico (tudo bem, vá lá que seja redonda), logo era admitido como analista esportivo. Estapafúrdios eram os comentários e as considerações, prosaicos e bizarros os palpites, bisonhas e ridículas as sugestões.

Com justiça, os ainda viventes de seleções anteriores, também foram convocados. O Rei, por exemplo, não poderia e faltar e não ficou de fora — apesar de o Felipão considerá-lo “Um bola fora em táticas futebolísticas e prognósticos de Copas do Mundo’’. Chegou a ser cruel com o melhor do mundo de todos os tempos: “A receita para a vitória é ouvir o Pelé e fazer o contrário. As suas análises sobre futebol não valem absolutamente nada” — fechou questão o enjoado Felipe Scolari.

Pensando bem o Rei deu uma de plebeu ao vociferar suas previsões derrotistas. E o que dizer dos comentaristas de plantão? A maioria inapta para o ofício cuspia verborreia e soprava tolices que incomodavam até os mais surdos dos ouvidos.

Referindo-se às concorrentes consideradas babas, nosso metafórico treinador criou a figura dos “Bambalas e Arimateias”. Um analista em formato de rolha de poço (baixinho e gordo, entroncado e sem pescoço), que não era um dos piores, pegou carona e os denominou “Filhotes de cobra d’água com jacaré”. Eu, um peladeiro sem nenhum recurso técnico para a arte, do alto de minhas pernas de pau não os diria babas; sem tradição, talvez. Afinal, exatamente as equipes menosprezada chutaram muitos figurões para escanteio. Mas, o importante é que os comandados do turrão Luís Felipe, abençoados com generosas doses de sorte, mandaram bem. Contamos com uma mãozinha do árbitro logo no primeiro jogo e seguimos embalados pela melodiosa Deixe a vida me levar, do talentoso Zeca Pagodinho. O quarto poder adotou e quis impor como trilha sonora de “Nossa Canarinho”: A festa, na voz da não menos qualificada e sortida de notáveis predicativos femininos — Ivete Sangalo. Mas a dita “Família Scolari” tinha lá suas convicções.

No tocante ao prematuro Adieu, le blues nada deve ser creditado a nós; o que não me impede de tirar uma casquinha: que papelão, hein França! Apenas um ponto ganho em três jogos e nem um gol marcado! Também não nos cabe a honra de ter sido mandada de volta, ainda na primeira fase, a Argentina do irrequieto Marcelo El Loco Bielsa. Fazendo parte da denominada “Chave da Morte” os platinos sin plata tiveram vida curta. O que seria a panaceia para o caos sócio-econômico portenho, transformou-se em efeito colateral. Apesar de bastante senhores de si, los hermanos sofreram um acachapante baque em sua estratosférica autoestima. Bem feito. Coisas da Providência Divina. Quem os mandou, a exemplo dos franceses, fazer pouco caso da seleção brasileira? Os deuses do futebol não gostam de “Chuteira alta”. Não toleram a soberba, não admitem empáfia, não curtem arrogância.

Destino idêntico teve o Uruguai de Recoba. Os patrícios de Luís Figo, idem. Também sem um único Antônio, nenhum Manuel e um monte de Joaquins no escrete, os lusitanos não poderiam mesmo ir longe! A saudade de Trás-os-Montes nem teve tempo de se instalar. E já que o tema são os patrícios... Como se não houvesse tal suplemento alimentar em sua dieta, o anêmico Figo se cansou de levar ferro nos gramados asiáticos. Este gajo, que aos olhos míopes da FIFA (nunca aos meus) era o melhor do mundo, ficou muito mal na fita. E o que dizer do goleiro português? Pobre guarda-redes, depois de interceptar alguns pontapés de canto, não conseguiu segurar o esférico chutado pela Coreia. Inconsolável, desnudou-se da camisola e, aos prantos, deixou o relvado para, junto aos também inconformados parceiros, encarar a grande bicha no aeroporto. Voar de volta à terrinha foi o que lhes restou.




quarta-feira, 11 de junho de 2014



ESPÍRITO ESPORTIVO

“Eu me amo, mas não me admiro”.
= Érico Veríssimo =

Quando o clima de Copa do Mundo insinua-se entre nós abrindo um sorriso de orelha a orelha ou tecendo rugas de preocupações na testa de outros, nada mais oportuno que enfocarmos um tema futebolístico. Perdoem-me os que não gostam, mas esta era a atmosfera que eu respirava em meados de abril de 2010: dias de pré-temporada do último mundial.

Pensando bem, futebol é o único esporte no qual tenho saldo positivo. Não como praticante; senão como torcedor. Além de apaixonado pela Seleção e pelo Tricolor de Aço, sou Porco na Terra da Garoa, Pó de Arroz na Cidade Maravilhosa, arrasto uma asa pela Raposa das Alterosas e ponho óculos para ver com bons olhos o também Tricolor dos aguerridos tchês. O bicho pega mesmo é quando entro em campo para destravar os músculos. Na arte de Pelé sequer faço lembrar Dom Dieguito. Para ser sincero nem calço as chuteiras de um jogador regular. Mas sou teimoso e não dou bolas para os que me veem como um peladeiro aquém dos medíocres. Até fazem uso dos jargões futebolísticos para me classificar: “Perna-de-pau, cabeça-de-bagre, bola murcha, aberração das quatro linhas...” — diz quem já experimentou jogar ao meu lado e perdeu, obviamente.

Falando assim até parece que eu me divirto com tamanha falta de vocação; o que não é verdade. Neste particular o meu sofrimento é tamanho, que só em lembrar a injustiça dos deuses do futebol, ao distribuíram pendores de craque pelo mundo afora, tenho os olhos afogados.

Enfim, uma inaptidão cheia de dissabores. Em parte, culpa da gorduchinha, que impiedosamente rechaça a cumplicidade que sempre procurei. Apesar de cheia de respeito. Sem nunca ter a ousadia de chamá-la de você. Mas a danadinha segue impiedosamente rebelde. Formal e avessa ao meu intento de tratá-la com cavalheirismo. Quando por força das circunstâncias chega até mim, é quicando, com efeito, cheia de nós pelas costas. Toda metida. Se achando e sem dar a menor chance de ser dominada, trabalhada, amaciada.

E se, nem nos verdes anos eu fui um amador de fino trato com o objeto da diversão, o que dizer agora quando já se foram décadas desde o tempo em que eu — caso levasse jeito para o ofício — poderia ter maquiado a idade? Ter me transformado em mais um gato dos gramados? Mas, nem isso!  De modo que hoje só me resta uma coisa: com o pretexto de marcar pontos contra o sedentarismo, seguir alimentando as comichões do verme da bola da forma desajeitada como eu sei fazer. Seguir ignorando as gozações dos adversários sem dar ouvido às vaias dos espectadores e relevando os xingamentos dos próprios companheiros de time. Sem querer, porém por força das circunstâncias, maltratando a pelota, distribuindo e recebendo caneladas e pisões.



Durante esta Copa pretendo escrever algumas tolices futebolísticas sobre este e outros mundiais. Aqui vai a primeira delas para divulgarmos em nosso Blog.

Abraços

Bernivaldo Carneiro


segunda-feira, 2 de junho de 2014



O EXILADO CAIO

Pedro Salgueiro, O Povo.

Caio Porfírio Carneiro deixou o Ceará em 1955. De lá pra cá, já se foram quase 60 anos de um amargo exílio, que ele foi adoçando através de visitas constantes: não há ano em que o nosso talentoso escritor, mesmo carregando hoje o peso de seus 86 anos, não venha rever a terrinha tão amada. Saiu daqui depois de perder a saúde (contraiu tuberculose, num tempo em que a doença era quase uma sentença de morte), o emprego (possuía alto cargo na Panair do Brasil), os amigos (o estigma da doença era similar ao da Aids hoje; sua casa foi marcada com um “x” de cal) e até a noiva, de quem nunca mais teve notícias. Em São Paulo, trabalhou na imobiliária de um irmão, tornou-se jornalista e, em 1963, foi ser secretário da União Brasileira de Escritores (UBE), de onde só saiu recentemente aposentado.

O irmão Manoel (o mais velho, que lhe deu emprego e incentivo) tentava de toda maneira “empurrar” o jovem para uma “profissão séria”, porém logo percebeu que seriam inúteis suas tentativas: Caio certo dia lhe falou que tinha pronto um livro de contos. O primogênito leu Trapiá (1961) no original e adorou, tanto que se ofereceu para financiar a publicação; mas Caio preferiu inscrevê-lo em concursos, juntar o dinheiro e só então editá-lo. Sua estreia foi um sucesso (lançado já com sete contos premiados), sendo hoje um clássico de nossa literatura, com várias edições, inclusive uma pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

Em seguida vieram os romances O Sal da Terra (1965) e Uma Luz no Sertão (1973), os livros de contos Os Meninos e o Agreste (1969), O Casarão (1975), Chuva - Os dez cavaleiros (1977), 10 Contos Escolhidos (1983) e Viagem sem Volta (1985). Depois uma sequência de livros infanto-juvenis: Quando o Sertão Virou Mar... (1986), Profissão: Esperança (1986), Da terra para o mar, do mar para a terra (1987) Cajueiro sem Sombra (1997) e Uma Nova Esperança (2002); as novelas: A Oportunidade (1986), Três Caminhos (1988) e Dias sem Sol (1988); também um livro de poemas: Rastro Impreciso (1988). E há mais de 20 anos vem intercalando livros de histórias curtas e de memórias: Os Dedos e os Dados (1989), Primeira Peregrinação (1994), A Partida e a Chegada (1995), Mesa de Bar (1997), Contagem Progressiva (1998), Perfis de Memoráveis (2002), Maiores e Menores (2003), Gramíneas (2006), Respingos de uma Viagem (2008) e O Copo Azul (2009). Mas promete agora para 2014 um novo livro de contos, seu gênero preferido.

Esse cearense “arretado” – que já ganhou os mais importantes prêmios literários do País (como o Afonso Arinos e o Jabuti), que teve diversos contos traduzidos para outras línguas, além de várias adaptações para TV e cinema – é antes de tudo um apaixonado pela sua terra natal: quase tudo o que sonha, pensa e fala é sobre sua infância “alencarina”, suas brincadeiras com os nove irmãos entre a rua 24 de Maio e a praça São Sebastião, intercaladas com as viagens a Guaiúba, ao sítio arrendado no Soure (hoje Caucaia, onde residiam os avós maternos) e temporadas nas fazendas Pau Caído e Caraúbas (entre Massapé e Santana do Acaraú), dos ancestrais paternos.

A esse clássico vivo da literatura cearense prestamos nossa homenagem, não só pela obra magnífica que nos deixa (e que sobreviverá com certeza ao tempo), mas também pelo ser humano maravilhoso que é: simples, sempre disposto a receber os escritores mais novos e desconhecidos; simpático, jamais o vi – nesses 20 anos de convivência – de cara feia, acabrunhado. Sempre brincalhão, galhofando alto com sua inconfundível voz rouca.

Obrigado, mestre, por sua arte e vida, que tanto engrandecem o nosso Ceará.