Quando o Amor é de Graça II: Bem Querer Sem Querer
Raymundo Netto especial para O POVO
Aprendi de amor assistindo — “das colinas tão distantes” — aos Teletubbies. Eu sei, eu sei, eu sei que isso não é coisa que se diga, de então, perdão, explicarei.
Em verdade, tal esdrúxula afirmação nada tem a ver com aquele maçante e recorrente programa inglês ou com sua famigerada “hora de dar tchau”, nem tampouco com sua bendita “torradinha”, “torradinha”, “torradinha”...
Sempre gostei de televisão. Muito. “Alucineava-me” com as produções cinematográficas, grandes roteiros, interpretações conflitivas, fotografias belíssimas e todas essas coisas que só o cinema traz de ruma, mas com o nascimento de minhas filhas passei a deixar a TV ligada sempre em infantis. Era uma maratona de programas em canais exclusivos para crianças, como Teletubbies; Bob, o construtor; Barney; Clifford, o cão vermelho e outros mais de nomes complicados.
Passados dois anos é que, um dia, encostado ao sofá, dei por mim assistindo à porcaria toda apenas para fazer companhia às meninas. Ali mesmo, diante de intermináveis e coloridos “tchaus”, fiz uma retrospectiva e cheguei à conclusão de que não há no mundo amor mais verdadeiro do que aquele cuja renúncia nasce sem sofrimento. Amor? Só podia de ser!
Aliás, percebi também: quando se têm filhos, todas as crianças do mundo assemelham-se a eles. Batem numa criancinha na Cochinchina e a gente sente daqui. Engraçado isso... Passamos a nos sensibilizar gravemente pelas crianças largadas em cestos de lixo, feridas em guerras no Oriente Médio, espancadas ou encarceradas pela violência do lar. Passamos a afagar a cabeça de pequenos estranhos e a distribuir-lhes sorrisos em playgrounds. Enfim, é como se a paternidade pudesse, ou devesse, ser compartilhada.
Quando a Lua e a Lia nasceram, padeci da experiência de um ano sem dormir uma noite completa. Acordavam-me todas as noites. Era uma seguida da outra, ou, quando às vezes, as duas juntas. Quando apenas uma, plantava-me à janela aberta à escuridão e cantarolava, balançando-me num movimento contínuo — uma espécie de forró em “slow motion” — e esperava seu sono chegar. Não funcionando, o plano B era sair ao sereno do condomínio — enrolava-as numa manta — e caminhava lentamente até o quarto bloco, tempo geralmente necessário para adormecê-las. Porém, quando chegava lá e elas ainda tinham os olhinhos abertos, pulava do plano C para o D, de desespero, a encrenca seria grande e, provavelmente, dessa vez, daríamos bom-dia ao Sol...
Morava num apartamento que não tinha nem 50m2 e quando elas acordavam a chorar, o bloco inteiro, ou mesmo o condomínio, noticiava no outro dia: “Elas deram trabalho ontem, né?” Pois é.
Quando completaram 3 meses, ao surgirem as famigeradas crises das cólicas, as visitas corriam por todos os lados, pulando as janelas em pavor: “Não aguento ver isso, não!” Era o que diziam.
Aos domingos, a mãe delas cumpria seu plantão no hospital e eu passava o dia todo com aqueles bebês do berço do quarto à sala. As cabeças eram grandes e carecas e o pescocinho parecia não poder dar com elas. Eram assim meus domingos: preparava o leite, trocava as fraldas, as banhava e ficava por ali jogando brinquedinhos para elas pegarem ou lendo meus livros no tapete da sala a ouvir aquela conversinha que não me dizia nada, justificada apenas pelo sorriso banguela, engraçado e o olhar brilhante que, de criança, ainda se tem.
Hoje, acho tediosas as frias e intermináveis discussões sobre “o amor que estraga as crianças”. Muito menos critico aos avós que, quase aflitos, o ofertam. As nossas crianças e as do mundo inteiro têm mesmo é que aproveitá-lo, pois, num futuro próximo descobrirão que desta nossa humanidade de discursos vazios e teorizações caleidoscopicamente inúteis o que sentirão falta sempre é de amor.
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