sexta-feira, 1 de julho de 2011



                                        Sinuca dois irmãos
Brennand de Sousa

... Aí não, roxinha! Pára! ... Filho-da-puta ladrão! Quase encobriu a seis! Porra! Vou perder outra! Como é que vou tirar vinte pontos com duas bolas na mesa? ... Se esse viado acha que vai me depenar, está muito enganado! Viro esse jogo! Ah se viro!  Fiu, fiu, fiu, fiu, fiu, La-ra-la-la-la... Vamos lá, filha, seja boazinha com o papai...  ...Na maciota! Melhor que a encomenda! Tá me vendo de rosa, malandro?

Ah Elizete, tinha que sair contigo justo ontem! Acabou com minha base, os braços tão um molambo. Vai, porra!  Joga!  Fiu, fiu, fiu, fiu, tra-lá-ra-la-la... Nunca mais invento de foder em véspera de jogo... Vai, filho-da-puta! Você me pôs em dificuldade, agora quero ver sair dessa. Essa daí é intirável, mano. Pago pra ver. Sabia! Sabia! Fiu, fiu, fiu, fiu...  Só treze pontinhos! Essa sete... deixa ver... deixa ver... É tudo ou nada, tudo ou nada...  Fiu, fiu, fiu, fiu... Bola sete, caçapa do meio!  Urhuuuu! Eu cantei! Tô no jogo, tô no jogo! Putz! A seis não ficou tão boa. Se errar ele me come. Não posso vacilar... Agora não! Fiu, fiu, fiu, fiu, la-ra-ra-ra-lá. Sangue frio! Tenho de virar pedra. Afinar a pontaria. Assim, assim, assim... Bola seis, canto esquerdo. Vai, vai, vai roxinha! Aí! Urhuuuu! Resta a sete, ai mãe!

Que há, mano? Ganhou as seis primeiras e o psicológico tá mexido? Tá. Não me engano.  Para ser bem sincero, nosso jogo é igual. A diferença é que alisamos bancos diferentes; você o da faculdade, eu o do boteco. Na moral mesmo... Nossas partidas são muito equilibradas. É que hoje, você tá infernal... Eu, um cagão!  Com certeza percebe, desde a primeira partida, que algo de errado anda com meu taco. Você sabe, claro!  Só não sabe o motivo. Elizete! Esgotei a noite toda na morena. Essas coisas afrouxam os nervos. Eu aprendo!   Essa partida tá quase na mão! É só respirar pela boca, congelar nas veias, o sangue. Descalço, não volto pra casa. Já perdi a grana toda... o relógio... Agora, a única dignidade que me resta...? Os sapatos, não perco! Sair daqui de pé sujo?  Fiu, fiu, fiu, fiu, tra-la-tra-la-ra. Eu sim, farei o doutorzinho voltar descalço pra casa... Puta-que-o-pariu! Como é que passo uma bola decisiva dessas! Ah Senhor! Tanto que fiz! Tem piedade! Assim não dá!

 Vai, lambuza essa taco de cuspe, sacana! Espirra, infeliz, vai! Sempre faz isso pra roçar o giz na sola do taco, filho-da...! Ele quer minar meus nervos! Sei disso. Se não me controlo, perco mais uma. O mano é sacana, tá a fim de humilhar. Quer me ver saindo de pé no chão...  Ai! Lá vem a pretinha deslizando no rumo certeiro do buraco... vai cair... A porra dessa caçapa tem uns sessenta centímetros de vão... Balançou nas quinas!!! Viva! Deus é pai!  Maravilha! E não colou na tabela, não colou!  Ffffuuu! Preciso manter o controle. A sorte tá do meu lado! Sobrou espaço entre a redondinha e o filamento da borracha. Três dedos. Suficiente! A angulação é boa, os nervos é que me estão em frangalhos. Não estava enganado! O mental dele tá ferrado. Amarelou bonito! Preciso definir agora, ou será a penúltima jogada da partida. Disso tenho certeza. Tabela, caçapa do canto! Concentre-se! Apague tudo à sua volta: o calor dos espectadores, o ruge-ruge das apostas, esse olho espichado do mano tangenciando a bainha da argola... Teu agouro não pega, véio! Essa já era!  A carambola vai estralar a sete contra a tabela e vai dormir lá no canto.  Assim será.  Vai dormir no fundo da caçapa, a pretinha. Como sei? Pressinto. Quer ver...? Foi! Vai macia, filhinha! No fundo do filó! Tchau! Urhuuuu! Urhuuuu!  Ganhei seu felá, ganhei, ganhei! Eu sou foda! Eu sou fooooodaaaaa!   Fiu, fiu, fiu, fiu, La-ra-li-ra-la-la... Ô mano, favor descalçar o pisante!  Isso, vai tirando os sapatos! Agacha. Adoro te ver menor!

 Em nenhuma derrota exasperei-me. Fui frio como o mármore...  Como? Como é, seu puto? Como vai me dar só um dos sapatos? Por um acaso você é perneta? Racho tua cabeça com esse taco! Como é? Não racho? Escrooooto!
 Na manhã seguinte vieram reclamar que quase matei meu irmão com uma porretada. Um veio me dizer que o pedaço do jacarandá saiu ricocheteando pela porta da rua, outro veio contar que a paulada pegou por cima da moleira, que o infeliz entrou em convulsão feito peixe fora d’água, outro ainda que, mesmo assim, com o mano tremelicando todo, arranquei-lhe o segundo pé...  Zequinha, a quem tinha como verdadeiro amigo, me disse que só fiz aquilo por medo de prosseguir com as revanches e meu irmão, esse passa bem... Sem os sapatos.


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