sábado, 8 de março de 2014

No Carnaval
 Pedro Salgueiro, jornal O Povo

Quando você foi embora...

Nem bem deu sexta-feira e a Luzanira sumiu, mas só notaram sua falta à hora de dormir – a rede estirada no canto da sala permanecia murcha –, aí foi um procura aqui e acolá dos diabos. Todos os recantos da casa e do quintal minuciosamente vasculhados, a rua inteira – de porta em porta – acordada, causando um frenesi apenas abafado pelo som dos blocos que passavam vez por outra na rua de trás. (Lourival, então, era o mais nervoso.)

...Meu coração quase parou.

Pela madrugada os vizinhos iam se recolhendo, cada um tinha uma versão do sumiço; e somente os de casa não pregaram olhos naquela noite; continuaram a ouvir o barulho dos blocos até de manhã, quando então abriram as portas e foram novamente bater à casa dos vizinhos. (E, pra variar, recorreu à fiel companheira de sempre.)

Foi somente tristeza que você me deixou...

Já passava do meio-dia quando tomaram a decisão de denunciar o caso à polícia; deram parte, responderam às perguntas do escrivão. Prometeram investigar com a ajuda de um retratinho. A família dividiu-se em meio a um pequeno bate-boca: uns resolveram voltar para casa lamentando o ocorrido, outros partiram para os hospitais; a irmã caçula – a mais sonhadora – decidiu ir à rádio, para divulgar a notícia entre um samba e outro. Cansados, somente à noitinha tiveram coragem de procurar no necrotério, onde a busca do corpo entre os dos indigentes foi inútil. (Zonzo, suado e frio, via a todos como imensas mariposas em volta da lâmpada.)

Não tem jeito que dê jeito...

Os cinco dias de transtorno foram enfrentados a calmante e chá de cidreira, além do apoio constante da vizinhança. (E ele lá, resistindo, entre a peixeira e a saudade.)

Pra você viver comigo.

E sequer amanheceu a quinta-feira, lá estava a Luzanira ao pé da porta. O rosto baixo buscava os pés de quem se aproximasse, a roupa e o cabelo brancos de maisena – apenas balançava a cabeça de baixo para cima, ou de um lado para o outro, conforme fosse a pergunta. (Às vezes, as lágrimas vencendo a raiva.)

De hoje em diante, nós vamos ser dois simples amigos.

(*) Temática do texto e frases em itálico retiradas da canção “Não tem jeito que dê jeito”, do mega-pop-star maranhense (de Timon) Raimundo Soldado, recém falecido, legítimo representante da nossa Música Popular Romântica (MPR).
(**) Conto publicado originalmente na coletânea de contos bregas Assim você me mata – Organização de Cláudia Brites


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