No Carnaval
Pedro Salgueiro, jornal O Povo
Quando você foi embora...
Nem
bem deu sexta-feira e a Luzanira sumiu, mas só notaram sua falta à hora de
dormir – a rede estirada no canto da sala permanecia murcha –, aí foi um
procura aqui e acolá dos diabos. Todos os recantos da casa e do quintal
minuciosamente vasculhados, a rua inteira – de porta em porta – acordada,
causando um frenesi apenas abafado pelo som dos blocos que passavam vez por outra
na rua de trás. (Lourival, então, era o mais nervoso.)
...Meu coração quase parou.
Pela
madrugada os vizinhos iam se recolhendo, cada um tinha uma versão do sumiço; e
somente os de casa não pregaram olhos naquela noite; continuaram a ouvir o barulho
dos blocos até de manhã, quando então abriram as portas e foram novamente bater
à casa dos vizinhos. (E, pra variar, recorreu à fiel companheira de sempre.)
Foi somente tristeza que você me deixou...
Já
passava do meio-dia quando tomaram a decisão de denunciar o caso à polícia;
deram parte, responderam às perguntas do escrivão. Prometeram investigar com a
ajuda de um retratinho. A família dividiu-se em meio a um pequeno bate-boca:
uns resolveram voltar para casa lamentando o ocorrido, outros partiram para os
hospitais; a irmã caçula – a mais sonhadora – decidiu ir à rádio, para divulgar
a notícia entre um samba e outro. Cansados, somente à noitinha tiveram coragem
de procurar no necrotério, onde a busca do corpo entre os dos indigentes foi
inútil. (Zonzo, suado e frio, via a todos como imensas mariposas em volta da
lâmpada.)
Não tem jeito que dê jeito...
Os
cinco dias de transtorno foram enfrentados a calmante e chá de cidreira, além
do apoio constante da vizinhança. (E ele lá, resistindo, entre a peixeira e a
saudade.)
Pra você viver comigo.
E
sequer amanheceu a quinta-feira, lá estava a Luzanira ao pé da porta. O rosto
baixo buscava os pés de quem se aproximasse, a roupa e o cabelo brancos de
maisena – apenas balançava a cabeça de baixo para cima, ou de um lado para o
outro, conforme fosse a pergunta. (Às vezes, as lágrimas vencendo a raiva.)
De hoje em diante, nós vamos ser dois simples
amigos.
(*)
Temática do texto e frases em itálico retiradas da canção “Não tem jeito que dê
jeito”, do mega-pop-star maranhense (de Timon) Raimundo Soldado, recém
falecido, legítimo representante da nossa Música Popular Romântica (MPR).
(**)
Conto publicado originalmente na coletânea de contos bregas Assim você me mata
– Organização de Cláudia Brites
Nenhum comentário:
Postar um comentário