terça-feira, 18 de março de 2014





Viajantes e sedentários


Eduardo Montes-Bradley, um cineasta argentino morando nos Estados Unidos, comentou que os escritores brasileiros parecem com as bandas de rock, não param de viajar. É verdade. Penso que está desaparecendo o narrador sedentário, o cara que ficava na sua oficina, ou dentro de casa, remoendo as histórias que ouvira, pensando, emendando pedaços de outras narrativas para recontá-las ao seu modo. Agora só existem viajantes, segundo a classificação de Walter Benjamin. Até eu, o sedentário mais radical, me tornei um andarilho. Acho que foi praga ou feitiço.

Vez por outra encontro autores cearenses nas viagens literárias. Em Frankfurt, embora não estivesse na comitiva oficial, Tércia Montenegro marcou presença. Soube recentemente pelo ministro da embaixada brasileira na França, Alex Giacomelli, que Tércia estará no Salão do Livro de Paris, ao lado de dois pernambucanos. Uma força do nordeste, se consideramos que foram convidados apenas cinco representantes do Brasil.

Outra que tem sebo nas canelas é Socorro Acioli. Anda pra peste essa danadinha. Conheci-a num bar de hotel, na cidade de Bogotá, durante a Feira de Livros de 2012, quando o Brasil era o país homenageado. Isso está parecendo música brega. Não pensem mal da escritora, ela tomava chá aromático com frutas, uma pedida que eu e minha esposa copiamos. No retorno da Colômbia, de passagem por Fortaleza, jantamos na casa de Socorro e seguimos para Manaus. Outra feira. Meu Deus, quanta rodagem! Foi praga, mesmo. Preciso tirar esse ebó.

Mas a pioneira de nossa literatura feminina cearense atual, a abre-alas, o nome mais festejado (sem citar Raquel de Queiroz e Natércia Campos, porque as duas já se encantaram; Natércia cedo, quando escrevia sua melhor prosa) é Ana Miranda. As outras seguem o caminho e prometem.

E não existem escritores viajantes homens, no Ceará? Tem gente com a língua coçando pra fazer a pergunta. Calma, existem! Falo de andarilhos que moram em Fortaleza, ou que voltaram a morar como Ana Miranda. Samuel León, editor da Iluminuras, valoriza os que “não sentam” sobre os livros que publicam, e ganham o mundo divulgando, vendendo, fazendo a defesa e a apologia do que escreveram. São os “banda de rock”, um evento do mercado e da expansão da nova literatura brasileira, entre os quais me incluo com Tércia e Socorro.

Uma das melhores prosas poéticas que conheço tem a assinatura de Inez Figueiredo, cearense de Fortaleza. Ela parece ter escolhido o exílio dentro da poesia e de sua própria casa. Nunca consegui encontrá-la, além dos seus livros. Já escrevi antes que o prazeroso ou atormentado exercício da escrita tem pouco a ver com o giro pelo mundo, à cata de leitores. Pouco a ver com a caça aos prêmios. Muitos preferem se erguer às alturas sem desejos e encher de silêncio o coração. É possível que também Inez.

E os viajantes homens? Estou na lista mal afamada. Alguns dos que possuem mais quilometragem nasceram no cariri, espaço de nosso mapa que sempre sonhou ser um estado autônomo, no entorno da serra do Araripe formado por Piauí, Pernambuco e Ceará. Somos desgarrados, arribados para o Recife e depois pra mais longe. Xico Sá – jornalista, cronista e agora romancista, também homem de televisão, é um recifense confesso, apesar de morar em São Paulo. Sidney Rocha é outro que adotou o Capibaribe e o Beberibe. Por esses dias publicará uma série de romances prodigiosos, na trilha de outros livros de sucesso. Everardo Norões escolheu a poesia, o Recife, a Argélia e Moçambique. Voltou a morar no Recife e acaba de estrear no conto. É mais um exilado.

Seria injusto esquecer Pedro Salgueiro, que primeiro saiu em busca do mundo, no pau-de-arara de uma nova geração cearense. Quando as editoras do sudeste pareciam inacessíveis aos narradores das bandas de cá, ele furou uma edição na Topbooks. Num rasgo de generosidade, tentou nos carregar junto. Pedro talvez seja nosso viajante da virada do milênio (não menciono Ana Miranda, sempre no panteão mais alto). Eu só emplaquei meu primeiro livro na Cosacnaify, em 2003. E a partir daí, o redemunho me carregou pelos pés.

Na última vez em que nos falamos, Pedro Salgueiro confessou certo cansaço, um gosto em se balançar na rede da província e assistir partidas de futebol na televisão. Até compreendo, pois de vez em quando também penso em retomar o plantio de café. Sério. Fazer literatura tornou-se uma coisa muito enfadonha. Dá vontade de sentar na ruma de livros, sem ligar pra o que diz Samuel León. Que dá vontade dá mesmo! Até que surge um novo convite.

Ronaldo Correia de Brito


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