Carlos Vazconcelos
Com as batidas na porta foi acordando lentamente do seu torpor. Havia tido sonhos confusos e intermináveis. Ora estava sozinho no mundo, condenado a estranha eternidade, ora fugia de uma legião de seres bizarros.
Uma voz engavetada ressoou seu nome deixando a sobra de um eco longínquo. Antes de abrir os olhos sentia náusea, dor de cabeça e um medo imenso. As pancadas na porta se intensificavam. Já não eram socos, mas chutes e safanões. Cada bordoada era uma porretada no crânio. A voz agora era grave e repetia seu nome ameaçadoramente. Outras vozes bolinavam seus ouvidos como uma tenebrosa música incidental. Um cheiro de bolor comunicava-lhe a recuperação dos sentidos. Só faltava abrir os olhos. Arregalou-os num ímpeto. Por que queriam pôr a porta abaixo? Chutes, socos, ameaças. Nada compreendia. Que crime cometera? Não conseguia mover o corpo. Desejava chegar à porta, destravá-la. Não podia. E percebeu que sua imobilidade exaltava ainda mais os ânimos dos inimigos. Rendido no leito, gotejando de febre e medo, só lhe era possível ver as pontas das próprias botas enlameadas, apontadas para o teto, no meio delas a moldura da porta, prestes a desabar. De repente, a tábua tombou inteira aos pés da cama e uma multidão invadiu seu campo de visão, atirando-se sobre sua carcaça. Bocas furiosas. Pescoços enrijecidos. Dois sujeitos corpulentos arrancaram-no do leito e o levaram.
Tornou a acordar. O ambiente agora era úmido e fétido. Verificou as palmas das mãos com olhos abismados. Mal podia acreditar. Teve visões difusas do seu inferno. Mas ainda não era hora de purgar a alma. Só quando voltou a si definitivamente é que foi recordando... aos poucos... E compreendeu, com assombro, que o pesadelo estava apenas começando.
Do livro Mundo dos Vivos
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