sexta-feira, 29 de outubro de 2010


Revivescência
Brennand de Sousa 

Nelson Rodrigues, maior dramaturgo brasileiro de todos os tempos, notabilizou-se enormemente pelo caráter polêmico de suas colocações. Reacionário, genial, depravado, companheiro, oportunista... autor profundamente controverso,  laureado e odiado em igual proporção.

 Se “A Voz do povo é a voz de Deus” tornou-se a mais conhecida e infeliz pérola do rei Pelé, o “Toda unanimidade é burra”, veio a ser, se não o mais famoso, pelo menos o mais feliz aforismo do grande dramaturgo pernambucano. Nelson sempre soube exatamente o que dizia. Qualquer que seja a situação em que se configure, a unanimidade marcará sempre uma condição de desequilíbrio de onde quase sempre brotam as posturas totalitárias.

O primeiro turno desta eleição presidencial foi unanimemente marcado pela apatia do eleitorado petista. Apatia dos setores pensantes, apatia da classe média, apatia até mesmo de amplas camadas populares. Capitalizando essa apatia geral, Marina Silva conseguiu mobilizar muitos votos entre o idealismo cansado e desconsolado. Alguns atenderam quase de imediato aos apelos virginais da candidata. Posteriormente, as picuinhas partidárias entre Serra e Dilma só avolumaram o pleito pela senadora do PV.

Desde o final do primeiro governo Lula, este autor, que ora vos escreve, vinha refletindo sobre o pragmatismo gestor do PT. Afirmava em alguns artigos que a conquista do poder havia desvirginado nossas pudicas concepções ideológicas, que a experiência petista de governar seria um divisor de águas para futuras formas de se fazer campanha política,  que a famosa militância ideológica havia acabado, como inclusive foi tristemente constatado neste primeiro turno.  A certeza da vitória no primeiro turno, o crescimento amparado de Dilma, a campanha petista prosseguindo a toque de caixa...  Tudo nos levando a crer que as coisas transcorreriam modorrentamente dentro do esperado. Todas as cores da antiga paixão, reitero, estavam desbotadas pelo nosso status quo adquirido. Campanha endinheirada, militância paga... Para que ir as ruas? 

Com o advento do segundo turno as coisas mudaram significativamente. Por ironia do destino, o fortalecimento do PSDB acabou por ressuscitar entre as fileiras petistas o gosto pela disputa renhida que forjara nossa militância ao longo destes 30 anos. A perspectiva, ou antes, o pavor de uma retrospectiva psdbista, voltou a mobilizar mentes e corações em todos os extratos sócio-econômicos de nossa população. A central de boatos na internet que abalara profundamente a candidatura de Dilma no primeiro turno, agora é invadida por enxurradas de emeios anti-Serra, numa clara reação de que estávamos realmente mal-acostumados às conquistas do governo Lula.

Neste ínterim de oito anos, enquanto muitos de nós estávamos situados numa espécie de limbo ideológico – os xiitas migrando para partidos mais à esquerda – o governo petista estava promovendo a distribuição de renda, multiplicando as ofertas de emprego, abrangendo o acesso à educação de nível superior, aumentando a respeitabilidade internacional e soberania do país, recuperando as universidades públicas, fortalecendo a economia (boa parte dos países do 1º mundo ainda estão atolados na crise), aumentando o nosso poder de consumo, pagando a dívida externa ( agora somos credores), etc, etc, etc,  e etc ad infinitum, ou seja, cumpria grande parte das metas a que se propusera.

O inchaço repentino do PSDB, promoveu em nós uma espécie de solavanco político. Nos demos conta de que todos os ganhos sociais e econômicos do atual governo poderiam (podem) ser simplesmente escoados pelo ralo. Despertamos, provavelmente, para a uma maturidade política que respeita a dialogicidade. Talvez tenhamos chegado finalmente a uma compreensão de que governar é, antes de tudo, governar diferenças.

Para finalizar, retornamos a Nelson Rodrigues para reafirmá-lo e ao mesmo tempo contrapô-lo: Nesse momento de ameaça ao projeto petista, nós, seus fiéis construtores, não precisamos da unanimidade dos votos brasileiros. Nesta altura do campeonato, quinze pontos percentuais à frente já trariam imenso alívio à toooooooooda nação.

Crônica publicada no jornal Agora, de Iguatu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário