Àqueles que espero em Paris
Yuri Falcão
Eu deveria ter escrito este texto há três semanas. Ele seria uma carta de despedida para uns amigos e uma carta de “até breve em Paris” para outros. Mas toda a tensão da viagem, as lágrimas, a saudade e uma certa tristeza não me permitiram escrever.
Mas o que eu fiz durante três semanas para que não tivesse tempo de postar algo? Tentei me adaptar, simplesmente: ao idioma, às pessoas, às ruas, ao meu quarto e, sobretudo, a duas velhas senhoras que desembarcaram comigo em Orly: a saudade e a solidão.
Parece um pouco trágico demais. Afinal estou em Paris, a cidade que sempre quis visitar, a meca dos escritores latinos (quiçá de todos os escritores). Como eu poderia me sentir sozinho em um lugar que eu acreditava ser ideal para um retiro filosófico?
Mas Paris não é uma cidade para um viajante solitário, simplesmente porque é bela demais para conhecê-la sozinho. Andar pelo Jardins du Luxembourg, Quai d’Orsay, Saint-Germain –des-Prés, La Cité sem ter ninguém ao seu lado para olhar e dizer como tudo isso é belo faz com que Paris fique levemente desinteressante.
Enquanto visitava todos esses lugares e outros, que já conhecia por fotos e leituras e que ansiava visitar, me deparei com o mais impensável dos sentimentos: a indiferença. Seria possível não me extasiar com Paris? Não sentir as mãos frias e borboletas no estômago enquanto bebia um café no Les Deux Magots? Sim, vi que é possível ser indiferente a Paris.
Talvez eu seja a única pessoa que não se admirou muito com o Louvre, com o centro Georges Pompidou, com o Bulevard Saint-Michel, com a Pont des Arts, em andar nas margens do Sena. (E muito menos com a torre Eiffel). Por que, então, essa indiferença?
Perguntei-me a mesma coisa depois que saí do Louvre. De lá fui caminhando até o Luxembourg e balbuciando algumas respostas possíveis. De repente, enquanto atravessava a Ponte Saint-Michel vi uma das mais belas cenas em Paris: o sol se pondo ao lado da torre Eiffel sobre o Sena. Parei e me encostei no parapeito. Acendi um cigarro e a resposta me veio: Paris é para depois.
Quando essas duas velhas ranzinzas, a solidão e a saudade, forem embora e eu tiver ao meu lado as pessoas que amo, aí sim Paris será impressionante, bela, meu retiro filosófico… Enquanto isso não acontece continuarei olhando-a e dizendo a mim mesmo “Ah, quando eles estiverem aqui…”.
Paris é para depois, quando eu caminhar pelo 2eme arrondisement segurando a mão da Carolina Rodrigues; quando sentarmos no Deux Magots, bebermos café e fumarmos olhando as pessoas cruzarem o Bulevard Saint-Germain sem se darem conta que por ali tantas vezes caminharam Sartre, Beauvoir, Camus, Merleau-Ponty… Quando visitarmos nossos escritores mortos, quando assistirmos Huis Clos num teatro em Montparnasse, quando nos deitarmos à noite nos esquentando do frio de Paris… Vivo um sonho pela metade, porque uma parte de mim não está aqui.
Quero ver seus olhos vendo Paris pela primeira vez; quero acompanhá-la em sua primeira ida a Shakespeare and Company; quero ouvi-la apreciando as obras de Monet; quero olhar com ela as esculturas de Rodin; quero… que ela, enfim, viva Paris comigo, porque só assim Paris será real.
Espero com a ansiedade de um menino que o Carlos descubra Paris e a conheça em dois dias da maneira que eu fui incapaz de conhecê-la em um ano. Que bebamos um bom vinho no Champs de Mars, que descubramos queijos comíveis e incomíveis, que conversemos longamente nas cadeiras do Luxembourg sobre nossas vidas, assim como conversávamos no Benfica enquanto olhávamos as estrelas, que ele leia com a rigidez de sempre as coisas que escrevo, que ele leia minhas vontades e medo com seu olhar clínico. Sinto muito a falta de suas palavras.
Aos dois eu escrevo uma dedicatória em separado, em folhas de cores distintas.
E também espero o dia em que verei a Gabriela Sá-Marilaque nos acompanhar por todos esses lugares. Aos que a conhecem, vocês imaginam a emoção que seria andar de carro com ela ao volante pelas ruas de Paris? Quero ver a Stella Maris controlar um ataque de pânico no metrô, reclamar dos parisienses burros e ensinar a ética da maldade na Sorbonne. Quero que a Manu chegue a Paris, mas que vá para a Gare du Nord pegar um trem para uma certa cidade na Alemanha ver alguém (e depois nos contar como foi). Que a Thalita faça trekking urbano pelas ruas de Paris e veja que também é legal viajar fora da América Latina. Que o Davi visite alguns lugares em Montmartre e depois escreva um romance sórdido sobre Paris. Que a Maise venha fazer um curso no Cordon Bleau e use seu chapéu de chef para nos fazer um jantar. Adoraria ver o João Silas, meu pai, se perdendo pelas estantes da BNF. Que a Deive leia Kierkegaard no cemitério de Montparnasse e deixe uma poesia no túmulo do Baudelaire (e corra de medo na saída do cemitério porque tem um mendigo medonho naquela rua). Aos meus amigos que não tem Paris como sonho, estou ansioso em chegar ao Benfica e convidá-los para vários almoços.
Esperaria com toda a alegria possível as outras pessoas da minha família, se eles não tivessem medo de frio ou avião.
Enquanto continuo em Paris na companhia das duas velhas ranzinzas, vou catando pedaços da presença deles. É tudo o que se tem a fazer, por isso é insuficiente.
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