sexta-feira, 16 de setembro de 2011

                         D. Geni e Ana Júlia (mãe e filha do autor)



“O amor de mãe é mais perigoso para a humanidade do que bomba H”
                                                                                        Millôr Fernandes


                                            Minha mãe faz 70


Crônica de Pedro Salgueiro para O Povo

Minha mãe tem mil e dois defeitos, todos típicos defeitos de mãe.

Acorda cedinho, compra pão, faz o café e leva para a filha preguiçosa. Corre e vai fazer ginástica com os bombeiros. Volta e arruma a sala e varre a calçada e costura na cabeça as primeiras peças do almoço.

Conversa com a sombra, junta as folhas e as falas da vizinha.

Se abanando e soprando a quentura sai para saber do que os filhos (que moram quase todos bem próximos) precisam, uma verdura para a mais ocupada, uma ajudinha com os filhos da professora, uma ligada para a zangada, outra para o descansado.

Mal entra em casa e já maquina ir comprar meio quilo de arroz no mercadinho, um refrigerante mais barato na bodega da Paulino Nogueira, o jornal pra ver a crônica do filho metido a escritor.

Volta para colocar mais água na galinha, mais tempero no feijão.

Liga para a irmã do interior, e (enquanto conversa meia hora) organiza na cachola suas próximas andanças.

Falar com D. Eugênia tem que ser impreterivelmente quando ela se descuida e vai comer e, depois, deita um pouco para assistir ao jornal televisivo, esperando que o sol baixe um pouco lá pras bandas da Igreja dos Remédios... então ela irá (ligeirinha e atenta) visitar seus antigos vizinhos na Vila da Carapinima, onde morou por mais de dez anos.

De tardinha tem suas tarefas da tarde: lavar as louças do almoço, tentar inutilmente acordar a filha que ainda sonha em ter coragem de viver. Liga de novo para algum antigo colega de trabalho, vai pela décima vez ver os filhos da professora, passa rápido pra ver o que comeu o filhinho da ocupada.

De noite tem suas tarefas da noite: toma uma sopinha na casa do mais chato, olha se o genro passou para a caminhada na Praça da Gentilândia; e se for sábado vai à feira pegar as frutas mais baratas, o capote menor e os ovos caipiras.

Então vai descansar na calçada da casa de uma das filhas, mas de olho na danação do loirinho. Logo levanta e passa em frente ao bar do Assis pra vê se o filho mais velho já enche a cara novamente, quando sorri, fala rápido e diz que tem um ovo cozido para a ressaca.

Lá pras dez da noite vai finalmente para casa, arma a rede e assiste ao milionésimo quinto programa da Hebe. Depois arruma as últimas panelas, põe pra descongelar a carne do almoço, limpa o chão, a mesa e a pia “mode” as baratas.

Deita na rede e dorme já pensando no que irá fazer na manhã seguinte.
***

Dona Geni tem mil e dois defeitos, todos eles benditos defeitos de mãe.
Minha mãe procura tempo para tudo... e acha tempo para todos.
Ela só não encontra tempo para envelhecer.

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