quarta-feira, 25 de maio de 2011


                                             Mudanças

De vez em quando, e sem o menor motivo, chego a alguma conclusão totalmente inútil; distraído pensando sobre um assunto qualquer, um contratempo no trabalho, a final do campeonato de futebol, certa conversa com um amigo, e de súbito me baixa um pensamento vadio – se desprende não se sabe de onde e vem à tona:
– Mudo bastante de residência, a cada ano o endereço é outro, a vizinhança nova. E divago sobre o assunto – enumero as vantagens: a paisagem da janela sempre diferente, novos amigos (pra mim, que sou tão arredio a novas amizades), etc. e tal; desvantagens também várias: a casa sempre desarrumada, os livros encaixotados a maior parte do ano (e como perco tempo procurando às vezes um autor querido, e que parece encantado, eu estando doido pra lê-lo); além do enorme incômodo de ficar comunicando a todos a nova morada.
Até já criei hábito de tirar um dia no mês para passar nos endereços antigos pegando a correspondência. No fundo, chego à conclusão, causa mais incômodo que vantagens; ou não!?Deixo as conclusões de lado e passo a contar mentalmente os locais em que já morei – susto: vinte e um endereços em trinta e poucos anos de cidade. Percebo que o caso é sério, foge dos padrões normais.
Dias depois converso com minha irmã sobre o assunto, descubro estarrecido que o assunto já faz parte da crônica familiar, e que todos um dia já comentaram o assunto – alguns com simpatia, outros com uma ponta de malícia; pois é, um assunto que nunca me preocupou há muito faz parte dos comentários dos mais íntimos. Desde então, e com certa frequência, ando matutando sobre o caso; também descubro que na família, muito pratrasmente, outros parentes tinham esta mesma mania: o avô materno não sossegava no mesmo canto, um tio que morava em outro Estado se mudava às vezes mais de uma vez por ano – daí penso em determinismos genéticos e outras bobagens, em sangue cigano no passado da família –; e como sempre (e sobretudo) nunca chego a conclusões definitivas. O máximo que tenho são verdades provisórias, como a em que ando pensando ultimamente: de que a causa de tantas mudanças não é nada mais do que pura insatisfação comigo mesmo, e já que não mudo eu – mudo então de casa.
E pronto, ponto.

Pedro Salgueiro para O Povo

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