sexta-feira, 30 de agosto de 2013

E Viva o Brasil Criativo!

                                                                Claudia Leitão

Gostaria de informar a todos os amigos, colegas do MinC e parceiros da Secretaria da Economia Criativa (SEC), especialmente ao campo cultural e criativo brasileiro, que não faço mais parte da equipe gestora do Ministério da Cultura.

Durante dois anos e meio, eu e minha equipe nos dedicamos a estruturar e institucionalizar, dentro do Sistema MinC, uma Secretaria voltada à formulação, implantação e monitoramento de políticas públicas que contribuíssem para a qualificação de um projeto de desenvolvimento em que a cultura fosse considerada um eixo estratégico.

Acredito em uma economia criativa capaz de fomentar solidariedades entre os indivíduos, cooperativismo nas práticas comerciais, e desenvolvimento sustentável nas diversas regiões brasileiras. Diferentemente dos modelos de desenvolvimento das chamadas “indústrias criativas”, propusemos e advogamos, desde que chegamos ao Ministério, uma economia criativa fundamentada na valorização de nossa diversidade cultural, na sustentabilidade econômica, ambiental e social, na inclusão produtiva e na inovação, ressignificada pela dimensão simbólica da cultura.

Na importante e definitiva formulação proposta pelo Ministro Gilberto Gil, em 2003, a cultura foi compreendida de forma complexa e, por isso, considerada a partir de suas dimensões antropológica, cidadã e econômica. Penso que o MinC avançou nas duas primeiras dimensões, mas ainda carece de políticas públicas que fortaleçam a dimensão econômica da cultura. Especialmente, a “economia política” da cultura. A SEC assumiu esse papel, a partir de 2011, enfrentando quatro grandes desafios relativos à economia da cultura: a produção e difusão de dados confiáveis sobre os setores criativos, a formação dos profissionais, o fomento aos empreendimentos e, por último, a construção de marcos legais capazes de potencializar novas dinâmicas econômicas para os segmentos culturais e criativos em nosso país.

Vários mitos envolvem a gestão cultural, especialmente, no que se refere à formulação de políticas que valorizem a dimensão econômica da cultura. É tarefa do Estado enfrentá-los, sob pena de se reduzir a economia às visões liberais e à primazia do mercado, reduzindo-se, por consequência, os bens e serviços culturais ao jugo da produção cultural de larga escala.
A SEC nasceu com a missão de contribuir para a formulação de políticas públicas, ao mesmo tempo macroeconômicas (voltadas aos estudos e pesquisas, ao território e aos marcos legais) e microeconômicas (dedicadas à formação, ao fomento e às redes e coletivos). Políticas públicas para a economia criativa brasileira só podem ser formuladas a partir da produção de conhecimento sobre o campo cultural e, por isso, a primeira tarefa da SEC foi a de estruturar o Observatório Brasileiro da Economia Criativa, o OBEC, que foi institucionalizado no dia 1º de junho de 2012, juntamente com a própria Secretaria.

Penso que um dos maiores legados da SEC são as parcerias construídas com os ministérios, as secretarias, as agências de fomento, o Sistema S, o terceiro setor, as universidades, o Congresso Nacional, e, principalmente, a interlocução sempre instigante e enriquecedora com os artistas, produtores, empreendedores e profissionais dos setores criativos de todas as regiões do Brasil. Tenho certeza de que o Ministério da Cultura ganhou maior transversalidade com a criação da SEC, sobretudo nas discussões relativas aos papéis da cultura na qualificação de um novo desenvolvimento local e regional, fundado na valorização dos micro e pequenos empreendedores culturais e criativos desse grande País.

Os desafios da Secretaria não têm sido pequenos, mas, graças ao apoio, cumplicidade e incentivo que recebemos dos nossos parceiros, conseguimos que a economia criativa integrasse políticas públicas de várias pastas dos governos federal, estaduais e municipais.

Aprendi muito com a SEC, mas, sobretudo, construí afetos e compartilhei muitos sonhos! Saio do MinC segura de que produzimos a várias mãos os alicerces de uma Secretaria para o século 21, disposta a enfrentar as assimetrias sociais e econômicas brasileiras a partir e através da criatividade das nossas gentes.

Inúmeros países e organismos internacionais vêm convocando o Brasil a exercer um papel de liderança, seja na formulação de políticas para a sustentabilidade do planeta, seja na afirmação do valor da diversidade cultural em nossa democracia, seja, ainda, na construção de uma economia mais justa. Esses desafios foram sempre nossa bússola nessa curta, mas importante caminhada.
Por isso, acredito firmemente que a institucionalização da temática da economia criativa no Governo Federal produzirá, a médio e longo prazos, impactos extremamente positivos para a sociedade brasileira. Afinal, políticas estruturantes não se constroem a curto prazo. Seu tempo é o da criação e do enraizamento, tempo de plantio, que não se submete aos mandatos políticos nem aos interesses sazonais de pequenos grupos.

Por outro lado, uma política estruturante não pode nem deve prescindir do debate conceitual e acadêmico, assim como da escuta da sociedade, e ao mesmo tempo, não deve subestimar a importância do planejamento e da gestão estratégica. Políticas públicas são por natureza republicanas, fruto da participação social e do exercício cotidiano da transversalidade e da concertação entre políticas. Enfim, políticas públicas não podem prescindir da vontade política dos Governos.

Na minha passagem pelo MinC, tive a honra e o privilégio de conversar sobre os desafios e as perspectivas da economia criativa brasileira com a presidenta Dilma Rousseff, e de receber dela a tarefa de construir, em parceria com catorze ministérios e sob a coordenação da Casa Civil, o Plano Brasil Criativo. Trabalhamos durante um ano (2011/2012) para produzir um documento ambicioso, fundamentado na transversalidade de políticas e na integração de programas cujo maior público alvo seria a juventude brasileira. Espero, para o bem do Brasil, que ele possa um dia ser implementado, passado o primeiro momento de institucionalização da temática da economia criativa no país, assim como da chegada dos primeiros programas estruturantes da SEC nos estados e municípios brasileiros.

As bases de um “Brasil Criativo” já foram lançadas: “Criativas Birôs” começam a ser implantados nos estados com o suporte técnico-metodológico do centro de Desenvolvimento Tecnológico da Universidade de Brasília (CDT/UnB); Observatórios Estaduais passam a ser instalados nas Universidades; editais de apoio a incubadoras e à gestão de empreendimentos criativos com inscrições abertas; arranjos produtivos locais intensivos em cultura em processo de chancela, para serem beneficiados com a elaboração e pactuação de Planos Estratégicos de Melhoria da Competitividade, em todo o país (em parceria com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - MDIC); Centros de Vocação Tecnológica (CVTs) começam a dedicar sua formação para as cadeias produtivas dos setores criativos (o primeiro deles será o CVT do carnaval no Rio de Janeiro, em parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia- MCTI); um Programa de Ensino Superior para a Economia Criativa Brasileira ( em parceria com Ministério da Educação – MEC) já desenhado. E mais. Com o CNPq, teremos, ainda esse ano, linhas de pesquisa em economia criativa nas Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa em todo o país, e, com o IBGE, em 2014, as primeiras pesquisas econômicas sobre o campo criativo brasileiro que serão lançadas pelo Observatório Brasileiro da Economia Criativa: pesquisas estaduais de cultura (as ESTADICs), nova edição pesquisa municipal (MUNIC) e, finalmente, em 2015, a Conta Satélite da Cultura (em parceria com o Ministério da Fazenda e do Planejamento). A todos que desejarem conhecer todas as ações da SEC, sugiro consultar nosso relatório pormenorizado de gestão, disponível em nossa página no site do MinC, link
http://migre.me/fNSU6.

Com catorze meses de existência, a Secretaria da Economia Criativa já tem muito a comemorar e a agradecer. Meu agradecimento às ministras Ana de Hollanda e Marta Suplicy, aos colegas do Ministério, à minha pequena e brava equipe da SEC, aos criativos brasileiros, com quem compartilhei sonhos e utopias. Gostaria de expressar minha eterna gratidão a duas pessoas especialíssimas, dois professores e gestores públicos que imprimiram, a partir de seus ensinamentos, as marcas da “paternidade” e da “maternidade” da Secretaria da Economia Criativa. Meu carinho e profunda gratidão aos professores Paul Singer e Tânia Bacelar.

Por último, gostaria de ressaltar que vários homens e mulheres vêm construindo e sonhando com um “Brasil Criativo”. No contexto efervescente dos anos 50 e 60, a arquiteta Lina Bo Bardi construiu um museu de arte popular em Salvador, espaço que permitisse o diálogo entre o conhecimento acadêmico e o de mestres artesãos, para a formação de um desenho original e brasileiro. A arquiteta vislumbrava desenvolver um Centro de Estudos e Trabalho Artesanal e uma Escola de Desenho Industrial, onde haveria troca de experiências entre os estudantes de arquitetura e design e os artesãos. Tratava-se de um projeto político e, por isso, foi abortado em 1964, pela ditadura militar brasileira.

Por isso, faço questão de registrar e de enfatizar que a Secretaria da Economia Criativa nasceu à sombra do pensamento do economista e ministro da cultura Celso Furtado. E, enquanto proposta de um modelo de desenvolvimento para o Brasil, a SEC constitui também um projeto político. É para Celso Furtado que dedicamos o legado do que construímos. E viva o Brasil Criativo!


Cláudia Leitão
claudiasousaleitao@yahoo.com.br

 

       Endereço (incompleto) ADUFC: Av. da Universidade, próximo ao teatro Chico Anísio.

Ô nomezinho safado!


Bernivaldo Carneiro 


Chamavam-na de Leviana, não por procedimento incompatível com decência familiar, senão por ter o nome composto pelo o dos pais: Levi e Ana.

 

 

 

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Microensaios de noite de domingo



Paulo Avelino

Li/Vi na Internet e divido com vocês

DESCOBERTO O CULPADO PELAS MANIFESTAÇÕES

Tudo parecia bem e pulularam passeatas, gritos, vandalismo. Tudo na revolta de Junho, que se estendeu por Julho, até no dia 14. Maldades sempre existiram e o povo as suportou, por que não as suportaria agora? Os péssimos meios de transporte, a ostentação dos ricos e a desconfiança quanto ao dirigente do país não podem ser culpabilizadas pela onda de protestos. Foi um grupo que manipulou o povo para seus propósitos.

Estou falando, é claro, da Revolução Francesa.

Para a Rainha Maria Antonieta e para a Corte de Luís XVI, a queda da Bastilha, a Convenção, a Declaração dos Direitos do Homem não passam de uma conspiração do Duque d´Orleans. Esse ambicioso nobre nada quer com o povo. Mas quer ser rei. Ele planeja as passeatas, estabelece os alvos. Não se sabe como ele o faz. O fato é que faz.

E um grupo, portanto, pensou em tudo. A violência, o absurdo, o desrespeito a autoridades, nada disso tem a ver com o sofrimento popular. É simples pretexto para a ambição de pessoas sem escrúpulos.

Estou falando, é claro, das Manifestações de Junho.

 Já li vários culpados sobre as manifestações: uma ONG chamada Alchimia; Fundações Internacionais; o PT; uma ONG da CIA sediada em Belgrado. Qual a sua?

Enquanto pensa, sugiro que assista ao ótimo Maria Antonietadisponível na Net. Veja lá a Rainha e o tal Duque.

A propósito, eu acho que as Manifestações de Junho foram uma conspiração do Duque d´Orleans. Por que não?

Uma crônica sobre a Internet todo domingo em:
Blog Cultura Digital Brasileira: http://blog.paulo.avelino.nom.br


sexta-feira, 23 de agosto de 2013

CHAMADA




Poeta de Meia Tigela


- Bernivaldo Carneiro?

- Presente.
 
 
- Brennand de Sousa?

- Presente.
 
 
                    - Carlos Nóbrega?

- Presente.
 
 
- Carlos Vazconcelos?

- Presente.
 

- Frederico Régis?

- Presente.

 
- Luciano Bonfim?

- Presente.
 

- Manuel Bulcão? Manuel Bulcão?

 
1 ano sem Bulcão, hoje. Dediquemos alguns instantes do dia à evocação da boa lembrança de nosso amigo, amigos. 

 

DOMINGO DE MADRUGADA




Por Gilson Pontes


            Enfim, agosto chegou sem muito estardalhaço e me devolve não tão lépido nem por demais fagueiro à crônica de jornal. Mas como estamos no Brasil e que para alguns acha um mês de raras superstições, tudo por questão desse a antes de gosto, que dizem ser mês do desgosto. Mas acho que não.    

         Escrevo mesmo deitado sob uma luz esmaecida do quarto, e já é domingo e chove desde a madrugada, quando me despertei. Preguiçosamente sinto esse estar no mundo despido de compromissos urgentes. Nem sempre, mas aos domingos sou acometido de um sentimentalismo de seresteiro, mas só me dá vontade de estar só. Não sei por que, mas quando chove me bate uma melancolia terrível, inexplicável.

            Lentamente a madrugada se faz, acontece feito filha pródiga da escuridão, que me dá a impressão de estar a um passo do suicídio. E gosto de escrever o que me vem na telha e de costume só me resta escrever e tentar diminuir a insuperável distância entre eu e outro e que me compreenda, os que me leem. Domingo, já quase manhãzinha chuva torrencial molha toda a Fortaleza, Terra de Alencar e de Nossa Senhora da Assunção, em que até Deus entra em clima de feriado. E então o cronista ao despertar com a chuva aos poucos de palavras em palavras vai verticalmente amontoando algumas literárias besteiras. Pra mim às vezes vejo os domingos inodoros, incolores, insípidos.         

         Caro leitor, como o tempo está se indo tão rapidamente e já estamos em agosto, mal o ano começou já se passaram finalmente oito meses. Entanto, houvesse por nós passando num piscar de olhos. Logo, logo chega os BR-O-BROS e se vai o ano. E todo haverá vivido um pouquinho mais. Mas o tempo não para e não perdoa e leva tudo consigo. E quando eu tiver saído/para fora do teu círculo/.Tempo/tempo/tempo/tempo/Não sei nem terá sido/Tempo/tempo/tempo – Caetano Veloso – Oração do Tempo. Digo, oh, tempo! Demasiadamente fugaz que nem percebemos a existencial jornada certeira levando-nos a qualquer dia ou hora, eis-nos de frente ao grande mistério que tentamos inutilmente fugir – a morte. Pois o inadiável nos espera, solerte e voraz. Penso o mundo ser um imenso palco e nós os personagens que por vezes, insubstituível.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013


SOBRE O LIVRO:

“O poeta e escritor Dideus Sales nos encanta com Luiz Gonzaga, muito além de um sanfoneiro, luminosamente ilustrado por Audifax Rios, uma das mais belas e emocionantes homenagens que já se renderam ao criador de Asa Branca e Assum Preto...” EDMÍLSON CAMINHA.


“Encantamento redobrado é quando nos deparamos com poeta cantando e contando a história de outro poeta. Eis que o poeta Dideus Sales dedilha sua lira e em versos cheios de fervor e melodia, conta a vida do filho de Januário, num preito de ímpar homenagem àquele cuja voz soa à audição do povo nordestino como um hino perene de estímulos à resistência e à luta pela liberdade e pelo direito inalienável a uma vida digna. A inteireza da obra se confirma com o traço inconfundível e também eivado de sugestões poéticas de Audifax Rios (...) a encher nosso olhar de terra, coisas e povo do sertão.” 
BARROS ALVES


SOBRE O AUTOR:

DIDEUS SALES, Poeta, Escritor, Radialista, Folclorista e Produtor Cultural. Nasceu na fazenda Várzea do Canto, Independência – Ceará e criou-se em Crateús. Verteu parte de sua produção poética para o áudio, lançando os CDs “Frutos Poéticos”, “Alma Brejeira” e “Cantilena”, este último em parceria com o cantor e compositor Acauã. Foi radialista em várias importantes emissoras do Estado.

                                              Publicou:

O Sertão de cabo a rabo; Matuto do Pé Rapado; Florescências; Colheita de Versus; O Sertão em Verso e Prosa; Nos Cafundós do Sertão; Veredas de Sol. Flores Vivas e Mortas; Minha Terra, Minha Gente; Natureza, Paz e Poesia.




domingo, 18 de agosto de 2013

ACADEMIAS E ASSOCIAÇÕES



Batista de Lima

Diário do Nordeste


Há uma grande quantidade de academias literárias e associações culturais no Ceará. São grupos que comprovam que o intelectual cearense é gregário, gosta de um mutirão, quando o assunto é qualquer vertente das artes. Parece que o nosso artista não confia muito na capacidade individual. É através dessa união de pessoas que os projetos de divulgação de obras se tornam viáveis. Mesmo assim encontram-se alguns intelectuais renitentes em não se aproximarem de outros nessas entidades. São poucos, mas é bom lembrar que o escritor Alcides Pinto era um deles, sempre se negando a ser acadêmico.

Certa feita convidaram Alcides Pinto para pleitear uma cadeira na Academia Cearense de Letras. O poeta respondeu que instituíssem um concurso que ele talvez pudesse concorrer. Francisco Carvalho foi praticamente colocado na Academia. Não pediu voto a ninguém. Inscreveram-no. Foi à posse e não mais frequentou aquele sodalício. O poeta Roberto Pontes e o contista Pedro Salgueiro nunca se interessaram por academias. Há, no entanto, escritores de pequeno porte, que se dilaceram em campanhas para ocupar cadeiras de academias. Há deles que participam de oito a dez dessas entidades.

A Academia Cearense de Letras, a mais disputada, mais glamourosa e a mais antiga, pois foi fundada em 1894, ocupa, atualmente, o Palácio da Luz. Ali, além de ser sediada, ela ainda abre suas portas para as reuniões de outras 11 academias. Além dessas, há outras entidades que também se reúnem nas suas dependências. Entre elas estão a Associação das Jornalistas e Escritoras do Brasil, seção do Ceará; a Associação Brasileira de Bibliófilos e a Sociedade Cearense de Geografia e História. Quanto às academias que se reúnem no Palácio da Luz, além da ACL, podemos citar a de Retórica, a da Língua Portuguesa, a Metropolitana de Letras, a de Letras dos Municípios do Ceará, a Fortalezense de Letras e a Municipalista de Letras, entre as mais atuantes.

A Academia de Letras dos Municípios do Estado do Ceará (Almece) possui em seus quadros representantes dos municípios cearenses. Nem todos os municípios estão ali representados. Se isso acontecer um dia, nós teremos 184 sócios já que é esse o número de municípios de nosso Estado. Interessante é que os municípios, por sua vez, estão criando suas academias como é o caso da Academia Limoeirense de Letras, da lavrense, da cedrense, da varzealegrense, da ipuense, da comucinense e de outras. Assim, teremos em breve 184 academias, uma para cada município cearense. É evidente que muitos municípios ainda não criaram seus sodalícios mas o exemplo vale a pena ser seguido.

Curioso é que os colégios também estão criando suas academias. Tudo começou com o Colégio Maria Ester, criando sua Academia de Letras com componentes sendo alunos da entidade. Logo em seguida, outras escolas lhe seguiram o exemplo. Já há um bom número dessas entidades nas escolas cearenses. Acontece que, segundo dados do Conselho Estadual de Educação, há no Ceará 10 mil escolas de ensino fundamental e médio. Se todas essas escolas criarem suas academias, daqui a pouco teremos 10 mil academias a mais.

Diante desse grande número de academias há os que aprovam mas há os que reprovam. Há até escritores que falam mal de tanto academicismo, diante da rara qualidade de muitos dos componentes dessas instituições. Há escritores jovens que falam mal até da Academia Cearense de Letras e, quando chegam à maturidade, lutam para ingressar nos seus quadros. Essa luta para ingressar na ACL muitas vezes apresenta lances inusitados. É que às vezes, no próprio velório de um acadêmico, há quem já se insinue como pretendente à vaga aberta. Depois, sem o respeito pelos prazos regulamentares, há os que já telefonam em pedido de votos. Essa prática condenável também acontece às vezes até na ABL.

Outra prática prejudicial às academias fica por conta daquelas pessoas que lutam para ingressar na entidade, são eleitas, tomam posse e não mais a frequentam. Essas entidades reúnem-se mensalmente e apenas em torno de 30% dos membros frequentam as reuniões. Os dirigentes lutam para que haja frequência maior, mas não conseguem. Aliás, por falar em presidência, são poucos os acadêmicos que desejam dirigir suas academias. É um trabalho espinhoso por falta de apoio público e pela obrigação de manter viva e atuante a entidade. Por isso que há presidentes que são como que permanentes.

Dois presidentes que há bastante tempo vêm sendo reeleitos para suas respectivas academias são Lima Freitas, da Academia de Letras dos Municípios do Estado do Ceará, e Maurício Benevides, da Academia Cearense de Retórica. Há outros cidadãos que ocupam a presidência de mais de uma entidade. José Augusto Bezerra é o atual presidente da Academia Cearense de Letras, mas também é presidente da Associação Brasileira de Bibliófilos, isso sem contar que até há pouco tempo presidia o Instituto do Ceará, agora sob a presidência de Ednilo Soarez. O jornalista Vicente Alencar é o atual presidente da Academia Cearense da Língua Portuguesa e presidente da União Brasileira de Trovadores, além de dirigir a Terça-feira em Prosa e Verso.

Se aqui fôssemos citar todas as academias do nosso Ceará e seus presidentes, seria um não acabar mais. Entretanto é bom lembrar que todas elas têm sua função social. Eles congregam pessoas de saberes, estreitam relações de amizades, promovem palestras, confraternizações, e dinamizam hábitos de leitura e aprendizagem. O que poderia ser feito por pesquisador, de uma dessas áreas contempladas, era um levantamento de todas essas entidades, com seus estatutos, seu histórico, seus dirigentes e a relação dos sócios ao longo dos anos. O pesquisador teria material suficiente para monografia, dissertação ou tese. Afinal, o importante seria também apontar as razões que contribuem para tantas entidades culturais entre nós. Não adianta conhecermos o mundo cultural lá de fora se não nos conhecemos, mesmo com nossas limitações.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

O CHURRASCO



Bernivaldo Carneiro

 
Que Anacleto não era um homem higiênico, Roriz não duvidava. Mas se não fora o Conrado (amigo comum e companheiro do Anacleto naquela viagem), ele jamais desconfiaria onde o anfitrião tinha acondicionado — de Belo Horizonte à sua residência em Goiânia — a proteína e tudo que haviam degustado. Afinal, uma mala portando duas mudas de roupa usada (calças, camisas, cuecas e meias) numa viagem de 15 dias não é um dos ambientes mais saudáveis para transportar uma manta suína, carne de sol, paçoca, queijo e manteiga.

 

CARLOS VAZCONCELOS: UMA BOA ESTREIA NO ROMANCE




Por Rinaldo de Fernandes


                    Os dias roubados (Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2013), primeiro romance do cearense Carlos Vazconcelos, obteve em 2011 o Prêmio de Incentivo às Artes da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará. O romance traz um tema pouco frequente em nossa ficção – o da condenação injusta. E põe em cena as falcatruas que envolvem Justiça e Poder Político.

É o próprio personagem-narrador quem anuncia o seu infortúnio, como que fustigando o leitor, incomodando-o, chamando-o para se posicionar:

“Você não sabe o que é ser condenado sem culpa, você não avalia o que é passar quinze anos emaranhado nas próprias teias, confinado nas próprias inquietações.” (p. 53)

E incomoda-o ainda mais ao rememorar:

“Cruzei o portão da penitenciária aos vinte e cinco, quando a estrada da vida se estendia à minha frente desafiando meus passos. Fui roubado gravemente, o grito ainda ecoa, me acompanha feito um zumbido eterno.” (p. 21)

O protagonista tem um relacionamento com Águida, filha de um deputado sórdido. Águida, quando sabe que é traída, se suicida, atirando-se por uma janela. Começa aqui a ‘via crucis’ do protagonista:

 “Voltei para casa e tentei um diálogo ameno com Águida, que nada sabia de racionalidade. Seu coração era ainda mais escravo da paixão do que o meu. Chorou de forma contida, como quem não acreditara mesmo na reversão do destino, como se já estivesse pronta para o pior desfecho, e não me deu chance. Pulou. Aquele salto foi definitivo em nossas vidas. Encontraram-me prostrado, golpeado, tantos dedos me apontaram, tantos olhos me cravaram a lança. Fui algemado e conduzido ao tribunal. De lá para o inferno do cárcere foi um passo.” (p. 22)

 Mais à frente, fica-se sabendo que a condenação se deu por ‘ações’ do deputado:

“Mostrou-me a foto de jornal. Era o deputado Jairo Filgueira, pai de Águida. Eu já sabia que a família me odiava e que havia trabalhado incansavelmente pela minha prisão, mas não conhecia os detalhes sórdidos da empreitada, os atalhos, as manobras, a compra de todos os envolvidos para minha condenação logo a partir dos primeiros indícios”. (p. 52)
 
Um jovem promotor é quem “investiga a falsa sentença” e consegue retirar o protagonista da prisão.

O romance de Carlos Vazconcelos é agudo na temática e bem elaborado na forma, com uma técnica inventiva. No final é que é revelado, por meio de um “posfácio” produzido por um dos organizadores do volume, que a narrativa que lemos (fragmentada, e o recurso soa perfeito, por conta do arranjo que foi possível ser montado pelos organizadores do material recolhido) se trata na verdade da autobiografia do protagonista, que, na prisão, e fazendo de tudo para preservar seus papéis, seus manuscritos, tornara-se escritor. Tornara-se escritor para denunciar a injustiça que o fez padecer durante quinze anos – e que, liberto, não o recompôs como indivíduo, fraturou de vez sua identidade.

Carlos Vazconcelos, que tem mestrado em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará e produz e apresenta um evento literário no SESC, se inicia muito bem no romance.

 

* Rinaldo de Fernandes é romancista, contista, ensaísta e antologista. Professor de literatura na UFPB. Doutor em Letras pela UNICAMP.

 Publicado no Blog da Beleza (http://rinaldofernandes.blog.uol.com.br/) em 12/8/2013.

 

MICROSENSAIOS DE DOMINGO DE NOITE


Paulo Avelino

 Li/Vi na Internet e divido com vocês


Jovens, precários e conectados

E os Ninjas chegaram. Sem espadas, samurais ou haraquiris. Não se propõem a mudar o mundo. Eles são produto de uma mudança que já aconteceu ou acontece.

A dupla de produtores Ninjas Bruno Torturra e Pablo Capilé irrompeu na cortina-de-aço do pouco humor dos jornalistas tradicionais de certo programa de entrevistas televisivas neste agosto.  Deram seu recado mas outros elementos também muito revelam sobre seu movimento.

Primeiro o nome - Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação – NINJA. Vemos o imaginário desses rapazes (e moças): permeado pelos filmes de ação ruliúdianos. Pensem em uma ação intrépida – eles pensam em tais filmes.

Outra a juventude – um mal passa dos 30, outro dos 20. São jovens e sem utopias jovens, sem Não confio em ninguém com mais de 30 anos.

Vivem de projetos, de financiamento-por-multidão [crowdfunding]. Um deles mora em uma casa coletiva. Como muitos jovens [cuja revolta filmaram] vivem em situação não estável – o precariado.

Adotaram sua linguagem (a presença em tempo real), sua tecnologia de transmissão (a câmera com conexão 3G), sua filosofia (uma recusa a uma pretensa imparcialidade) e seu modo de vida (uma conexão em rede entre iguais).

Jovens, conectados e precários - são esses os ninjas (e não só desse grupo, mas os das revoltas no mundo-bola). Não confiam nas instituições tradicionais. (E quem poderia condená-los?)
Querendo ou não, todos assistiremos à sua novela.
 
A seguir, cenas dos próximos capítulos.
 
Até domingo!

[Este mesmo texto com imagens e links no blog Cultura Digital Brasil: http://blog.paulo.avelino.nom.br]

terça-feira, 6 de agosto de 2013

QUANDO O HONORÁVEL SALGUEIRO TOMBOU

 
 
(SEGUNDO A MELODIA MILENAR DO POETA CHINÊS XI LAO DUONG)

 
                                           Manuel Casqueiro

 
                 Tinham-se purificado em regozijo, os homens no rio Yangtzé, suas idades de mérito e pecado sobre eles, quando os dragões de jade expeliram pelas fuças a noite sobre a terra rubra e úbere, os tigres de papel já entocados nas grutas de Lungyen.
                Embebedados pelos líquidos espumosos da cerveja, da música e do amor, percorriam eles, de archotes nas mãos, os campos de cevada, sonhos do imperador T’ai Tsung, para afugentarem as pragas. Estremeceria que nem um caniço o presunçoso Gengis Kan à passagem dessas águias tonitruantes, guardiões da bebida, irmandade de poetas, cavalos de guerra de rasas crinas.
                  Lembra o Mestre Confúcio, à beira desse mesmo rio mil anos atrás que, assim passam todas as coisas!  Certamente, as boas, as ruins, as duvidosas e as que hão de vir.
                  Corrompido, tomado por fora e impregnado por dentro, pelos vapores embriagadores trazidos pelo vento leste, aquele que, traiçoeiro que nem os gatos de Cantão, desce pelas costas da montanha Yugen sobre a planície desprotegida de Ch’inhangtao,o honorável salgueiro, arbusto donairoso de galhos delgados e folhas estreitas, solitário naquele campo existente entre o céu e a terra,deu para  cantar loas desvairadas às paixões sem cura.
                  Ó, como o vento de verão é tão triste! E, com o circunspecto sizo turvado, cantava ele. Sentindo-se forte e feliz tal e qual Wei,o senhor da Tartaruga e da Serpente que vive na lenda para lá de Wuch’ang, cantava o honorável salgueiro. Para, em seguida, passar a cantar, nostálgico, com a língua embaralhada, mas blasfemando afirmativo, com ela solta. Cambaleante sobre a grama, que o vento era forte, caminhava e cantava. Quiseram acalmá-lo os apagados girassóis órfãos do sol, mas o honorável salgueiro apresentava-se-lhes mais valente do que o lendário guerreiro T’ao Yuan-Dong em dia de batalha, mais teimoso que a mais teimosa mula da aldeia de Chiuyi. E de nada valeu o pungente convite amoroso da flor do pessegueiro, já as nuvens sobrevoavam os nove rios e as sete montanhas com quatrocentas espirais para lhes atingir o topo verde.
                   Não podendo desviar-se do destino, o honorável salgueiro pretendeu-se humano, numa vontade instantânea e mágica, para escapulir ao atropelado vozerio dos que vinham sacudir todos os insetos, todo o capim daninho toda a espuma da poeira que empestava o campo sagrado do imperador T’ai Tsung, que,quando as flores da ameixeira brotarem,se transformará num convidativo rio dourado e refrescante.
                   Então,quando as moscas bateram as asas,zumbindo aflitas, e as formigas da alfarrobeira apregoaram a avizinhação dos homens, o honorável salgueiro de suas raízes, inventou umas pernas. Mas, estas, temperamentais em sua carnosidade vegetal, não tinham nem a firmeza nem a certeza daquelas que a natureza dota os homens sóbrios.
                   Imediatamente claudicou, no espaço e no tempo, o venerável salgueiro que tombou desamparado no solo fofo, em sua ilusória fragilidade, com estrépito.
                   No entanto, antes mesmo que os espectros dos lugares sombrios, onde habita a Dor, o levassem desse lugar hibisco alumiado pela lua, acudiram-lhe a Bondade, a Placidez e a Caridade, descidas de seus templos de mármore nas alturas, cruzaram o prateado frio da madrugada e, erguendo-o, levaram-no para um leito de nenúfares perfumados, são e salvo. E, misericordiosos, para que ao nascer do sol o honorável salgueiro não se acabrunhasse ressabiado, do ocorrido, os três míticos seres seus protetores, deram-lhe a graça do esquecimento.
                 Isto sucedeu há muitos e muitos de anos. Já por ali passaram três exércitos imperiais com suas centenas de bandeiras vermelhas desfraldadas.  Outros tantos outonos pesaram sobre as montanhas nevadas de Wumeng,as águas de Chinsha envoltas em névoa continuam cristalinas. Contudo, ainda hoje narram os poetas epopeicos que o honorável salgueiro ao despertar da sua viagem etílica, a despeito de não se recordar de nada, bebeu todo o campo de cevada para se curar da ressaca.

O CALOR DO CÁUCASO



 
 
             Nestes primeiros dias de agosto, o Theatro José de Alencar teve mais uma estreia histórica. O duelo, da Mundana Companhia, pressagiava – aos que já conheciam o seu O idiota, encenado aqui há três anos a partir do romance de Dostoiévski – um espetáculo a transcender o mundo russo. A novela de Tchekhov inspirou novas intervenções físicas no Theatro: prolongou-se o palco principal com um tablado, e algumas frisas foram aproveitadas pelos atores. Restringiu-se, necessariamente, o tamanho do público – e, se O idiota teve pretensões mais amplas, de tempo e utilização de espaço (muitas horas de peça, com atuação no território da plateia, no pátio, no foyer e nos jardins do Theatro), O duelo se firma como um trabalho igualmente complexo, daqueles que a gente se orgulha de dizer: “Eu estive lá, eu vi.”

             Não por acaso, o laboratório da peça foi feito no sertão do Ceará. O calor do Cáucaso – elemento que circunda o enredo e ajuda a indispor Laiévski contra Nadiejda – se espelha na nossa vivência nordestina. Com este mergulho os atores resgatam as lições da alma, os duelos íntimos e dilaceramentos típicos da literatura russa, mas universalizando o seu poder. Não seria arriscado dizer que em alguns momentos o próprio rosto cearense de Aury Porto assume a rudeza eslava (escrava, como o quis a etimologia), no reflexo dos comportamentos condenáveis, dos conflitos morais que o personagem Von Koren aponta em Laiévski.

            O humanismo de Tchekhov se conserva em texto e cultura, admitindo uma costura com elementos ecléticos. Encontramos no espetáculo momentos de ópera, balé, ritmos latinos, referências à moderna presença das luzes de “bichos unicelulares”, fosforescendo no mar da plateia, menção a Antônio Conselheiro… E um dos momentos mais comoventes é quando se retrata a tempestade na praia: no proscênio, os atores esticam panos com a exata postura dos jangadeiros na obra de Raimundo Cela ou de Chico Albuquerque.

            A interpretação de cada personagem é inesquecível. Camila Pitanga exibe versatilidade e destreza na pele da fútil e febril Nadiejda. Carol Badra é uma excelente Mária Bitiugova, equilibrando os limites da dignidade e da caricatura, como o seu papel exige. O médico Samóilenko ganha espontaneidade com Vanderlei Bernardino; Sergio Siviero se transmuta em fantasma e Kirílin da maneira mais convincente. Guilherme Calzavara e Fredy Állan dominam a proposta de Atchmiánov e do Diácono Pobêdov, respectivamente. Aury Porto, bem mais sofrido que o príncipe Míchkin, d’O idiota, parece, entretanto, trazer deste personagem a carga de inocência para a salvação, no final da peça.

            O duelo também se realiza de maneira inteiramente feliz em luz, figurino e sonoplastia. As soluções cênicas para fazer o mar, o vento ou a chuva trazem a sensação de um rito mágico, ao mesmo tempo teatral, sertanejo e trágico. Como no desfecho da novela de Tchekhov, todas as divergências se conciliam em síntese; e a arte da Mundana Companhia, sob a ótima direção de Georgette Fadel, transmuta dor em vivacidade.

 

Tércia Montenegro (artigo publicado no caderno Vida & Arte de hoje)