sexta-feira, 30 de agosto de 2013

E Viva o Brasil Criativo!

                                                                Claudia Leitão

Gostaria de informar a todos os amigos, colegas do MinC e parceiros da Secretaria da Economia Criativa (SEC), especialmente ao campo cultural e criativo brasileiro, que não faço mais parte da equipe gestora do Ministério da Cultura.

Durante dois anos e meio, eu e minha equipe nos dedicamos a estruturar e institucionalizar, dentro do Sistema MinC, uma Secretaria voltada à formulação, implantação e monitoramento de políticas públicas que contribuíssem para a qualificação de um projeto de desenvolvimento em que a cultura fosse considerada um eixo estratégico.

Acredito em uma economia criativa capaz de fomentar solidariedades entre os indivíduos, cooperativismo nas práticas comerciais, e desenvolvimento sustentável nas diversas regiões brasileiras. Diferentemente dos modelos de desenvolvimento das chamadas “indústrias criativas”, propusemos e advogamos, desde que chegamos ao Ministério, uma economia criativa fundamentada na valorização de nossa diversidade cultural, na sustentabilidade econômica, ambiental e social, na inclusão produtiva e na inovação, ressignificada pela dimensão simbólica da cultura.

Na importante e definitiva formulação proposta pelo Ministro Gilberto Gil, em 2003, a cultura foi compreendida de forma complexa e, por isso, considerada a partir de suas dimensões antropológica, cidadã e econômica. Penso que o MinC avançou nas duas primeiras dimensões, mas ainda carece de políticas públicas que fortaleçam a dimensão econômica da cultura. Especialmente, a “economia política” da cultura. A SEC assumiu esse papel, a partir de 2011, enfrentando quatro grandes desafios relativos à economia da cultura: a produção e difusão de dados confiáveis sobre os setores criativos, a formação dos profissionais, o fomento aos empreendimentos e, por último, a construção de marcos legais capazes de potencializar novas dinâmicas econômicas para os segmentos culturais e criativos em nosso país.

Vários mitos envolvem a gestão cultural, especialmente, no que se refere à formulação de políticas que valorizem a dimensão econômica da cultura. É tarefa do Estado enfrentá-los, sob pena de se reduzir a economia às visões liberais e à primazia do mercado, reduzindo-se, por consequência, os bens e serviços culturais ao jugo da produção cultural de larga escala.
A SEC nasceu com a missão de contribuir para a formulação de políticas públicas, ao mesmo tempo macroeconômicas (voltadas aos estudos e pesquisas, ao território e aos marcos legais) e microeconômicas (dedicadas à formação, ao fomento e às redes e coletivos). Políticas públicas para a economia criativa brasileira só podem ser formuladas a partir da produção de conhecimento sobre o campo cultural e, por isso, a primeira tarefa da SEC foi a de estruturar o Observatório Brasileiro da Economia Criativa, o OBEC, que foi institucionalizado no dia 1º de junho de 2012, juntamente com a própria Secretaria.

Penso que um dos maiores legados da SEC são as parcerias construídas com os ministérios, as secretarias, as agências de fomento, o Sistema S, o terceiro setor, as universidades, o Congresso Nacional, e, principalmente, a interlocução sempre instigante e enriquecedora com os artistas, produtores, empreendedores e profissionais dos setores criativos de todas as regiões do Brasil. Tenho certeza de que o Ministério da Cultura ganhou maior transversalidade com a criação da SEC, sobretudo nas discussões relativas aos papéis da cultura na qualificação de um novo desenvolvimento local e regional, fundado na valorização dos micro e pequenos empreendedores culturais e criativos desse grande País.

Os desafios da Secretaria não têm sido pequenos, mas, graças ao apoio, cumplicidade e incentivo que recebemos dos nossos parceiros, conseguimos que a economia criativa integrasse políticas públicas de várias pastas dos governos federal, estaduais e municipais.

Aprendi muito com a SEC, mas, sobretudo, construí afetos e compartilhei muitos sonhos! Saio do MinC segura de que produzimos a várias mãos os alicerces de uma Secretaria para o século 21, disposta a enfrentar as assimetrias sociais e econômicas brasileiras a partir e através da criatividade das nossas gentes.

Inúmeros países e organismos internacionais vêm convocando o Brasil a exercer um papel de liderança, seja na formulação de políticas para a sustentabilidade do planeta, seja na afirmação do valor da diversidade cultural em nossa democracia, seja, ainda, na construção de uma economia mais justa. Esses desafios foram sempre nossa bússola nessa curta, mas importante caminhada.
Por isso, acredito firmemente que a institucionalização da temática da economia criativa no Governo Federal produzirá, a médio e longo prazos, impactos extremamente positivos para a sociedade brasileira. Afinal, políticas estruturantes não se constroem a curto prazo. Seu tempo é o da criação e do enraizamento, tempo de plantio, que não se submete aos mandatos políticos nem aos interesses sazonais de pequenos grupos.

Por outro lado, uma política estruturante não pode nem deve prescindir do debate conceitual e acadêmico, assim como da escuta da sociedade, e ao mesmo tempo, não deve subestimar a importância do planejamento e da gestão estratégica. Políticas públicas são por natureza republicanas, fruto da participação social e do exercício cotidiano da transversalidade e da concertação entre políticas. Enfim, políticas públicas não podem prescindir da vontade política dos Governos.

Na minha passagem pelo MinC, tive a honra e o privilégio de conversar sobre os desafios e as perspectivas da economia criativa brasileira com a presidenta Dilma Rousseff, e de receber dela a tarefa de construir, em parceria com catorze ministérios e sob a coordenação da Casa Civil, o Plano Brasil Criativo. Trabalhamos durante um ano (2011/2012) para produzir um documento ambicioso, fundamentado na transversalidade de políticas e na integração de programas cujo maior público alvo seria a juventude brasileira. Espero, para o bem do Brasil, que ele possa um dia ser implementado, passado o primeiro momento de institucionalização da temática da economia criativa no país, assim como da chegada dos primeiros programas estruturantes da SEC nos estados e municípios brasileiros.

As bases de um “Brasil Criativo” já foram lançadas: “Criativas Birôs” começam a ser implantados nos estados com o suporte técnico-metodológico do centro de Desenvolvimento Tecnológico da Universidade de Brasília (CDT/UnB); Observatórios Estaduais passam a ser instalados nas Universidades; editais de apoio a incubadoras e à gestão de empreendimentos criativos com inscrições abertas; arranjos produtivos locais intensivos em cultura em processo de chancela, para serem beneficiados com a elaboração e pactuação de Planos Estratégicos de Melhoria da Competitividade, em todo o país (em parceria com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - MDIC); Centros de Vocação Tecnológica (CVTs) começam a dedicar sua formação para as cadeias produtivas dos setores criativos (o primeiro deles será o CVT do carnaval no Rio de Janeiro, em parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia- MCTI); um Programa de Ensino Superior para a Economia Criativa Brasileira ( em parceria com Ministério da Educação – MEC) já desenhado. E mais. Com o CNPq, teremos, ainda esse ano, linhas de pesquisa em economia criativa nas Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa em todo o país, e, com o IBGE, em 2014, as primeiras pesquisas econômicas sobre o campo criativo brasileiro que serão lançadas pelo Observatório Brasileiro da Economia Criativa: pesquisas estaduais de cultura (as ESTADICs), nova edição pesquisa municipal (MUNIC) e, finalmente, em 2015, a Conta Satélite da Cultura (em parceria com o Ministério da Fazenda e do Planejamento). A todos que desejarem conhecer todas as ações da SEC, sugiro consultar nosso relatório pormenorizado de gestão, disponível em nossa página no site do MinC, link
http://migre.me/fNSU6.

Com catorze meses de existência, a Secretaria da Economia Criativa já tem muito a comemorar e a agradecer. Meu agradecimento às ministras Ana de Hollanda e Marta Suplicy, aos colegas do Ministério, à minha pequena e brava equipe da SEC, aos criativos brasileiros, com quem compartilhei sonhos e utopias. Gostaria de expressar minha eterna gratidão a duas pessoas especialíssimas, dois professores e gestores públicos que imprimiram, a partir de seus ensinamentos, as marcas da “paternidade” e da “maternidade” da Secretaria da Economia Criativa. Meu carinho e profunda gratidão aos professores Paul Singer e Tânia Bacelar.

Por último, gostaria de ressaltar que vários homens e mulheres vêm construindo e sonhando com um “Brasil Criativo”. No contexto efervescente dos anos 50 e 60, a arquiteta Lina Bo Bardi construiu um museu de arte popular em Salvador, espaço que permitisse o diálogo entre o conhecimento acadêmico e o de mestres artesãos, para a formação de um desenho original e brasileiro. A arquiteta vislumbrava desenvolver um Centro de Estudos e Trabalho Artesanal e uma Escola de Desenho Industrial, onde haveria troca de experiências entre os estudantes de arquitetura e design e os artesãos. Tratava-se de um projeto político e, por isso, foi abortado em 1964, pela ditadura militar brasileira.

Por isso, faço questão de registrar e de enfatizar que a Secretaria da Economia Criativa nasceu à sombra do pensamento do economista e ministro da cultura Celso Furtado. E, enquanto proposta de um modelo de desenvolvimento para o Brasil, a SEC constitui também um projeto político. É para Celso Furtado que dedicamos o legado do que construímos. E viva o Brasil Criativo!


Cláudia Leitão
claudiasousaleitao@yahoo.com.br

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