segunda-feira, 5 de agosto de 2013

SOBRE MUZUNGU PULULU

Carlos Vazconcelos e Manuel Casqueiro


“ESSE PROFUNDO SENTIMENTO QUE NUNGUÉM ME ARRANCOU NEM ARRANCARÁ: MINHA AFRICANIDADE”

Por Silas Falcão

O livro é sociedade. E nele, ações humanas são narradas. Pela ficção ou não. Muzungu pululu é um livro de memórias tristes e alegres, nascidas da guerra da libertação de Angola do domínio português. Desde o século XV até a primeira metade da década de 1970 do século XX, os angolanos sofreram diariamente as atrocidades das serpentes brancas como eram chamados os colonizadores portugueses. Manuel do Carmo Rodrigues ou literariamente Manuel Casqueiro, o comandante guerrilheiro da Guiné-Bissau, empunhou armas e esperanças por uma Angola livre. E é o homem branco transparente o narrador deste livro emocionante. As não ficções são ordenadas em Nascimento e conhecimento; Momentos e acontecimentos; Procedimentos e reconhecimentos. Variáveis são as situações psicológicas provadas pelo leitor. 

Em Carta as crianças de Quisseque, um grupo operacional da guerrilha aconselha: Não se esqueçam que devemos ter nos olhos arco-íris e estrelas para iluminar as noites tenebrosas em que nos enclausuraram nos calabouços da opressão estrangeira. E não se esqueçam: devemos possuir nas mãos calejadas e feridas, livros. Muitos livros para sermos sábios, aprendendo e ensinando.  
Em Wayaki o que não serviu, a criança africana se nega a servir aos senhores coloniais. Não se permite ser o pônei manso dos “sinhôrzinhos”. Ele preferiu a morte pelas próprias mãos – o enforcamento no galho mais alto da árvore - à servidão pelas mãos dos outros. Uma ditadura impõe um mundo miúdo aos dominados. Um povo, quando humilhado, massacrado se torna miúdo e outro. E, às vezes, por séculos, como ocorreu a Angola das saudades de Manuel Casqueiro.

Ler Muzungu pululu, não é fácil. É harmonioso. Mas não é somente harmonioso. É revoltante. Insurreição que se desorganiza ao infinito em nossas almas quando lemos, por exemplo, O valente caçador branco. Incrível como uma realidade surreal nos força a pensar que as atrocidades humanas são uma ficção. E foi o que me ocorreu lendo as brutalidades contra a família de Manuel Casqueiro, praticadas pelo sanguinário valente caçador branco. Mais revoltante é quando o carrasco português ordena a Casqueiro, ainda criança de olhos esbugalhados diante do terror cometido: Tu, animalzinho selvagem, traz-me água e sabão e lava-me os pés!

Uma imagem poética do livro é Carta às crianças de Quisseque: Não se esqueçam de que devemos ter na mente sempre a unidade e a paz entre nós, independentemente de idade, etnias, sexo ou cor da pele. Não se esqueçam de ter em vossos ventres inchados de vermes, a fome das bandeiras dos oprimidos, a voz enfraquecida dos flagelados da nossa África, cujas fotografias coloridas foram expostas na capa da revista Time.
Numa guerra não são os mortos que choram. Quem chora são os que sobrevivem, afirma o narrador. Esta frase é outra memória sem lua de Muzungu pululu.

Momentos sem cantos e outros com louvores ao céu empoeirado de estrelas se distribuem nas páginas de Muzungu pululu. Exemplos destas narrativas distintas são Lunualo, foi embora da aldeia e Cartas aos amigos que ficaram. Por que Lunualo, que trabalha para si, a família e para os que não podiam fazê-lo, admirado pelos jovens e exemplo para os velhos, foi embora da aldeia com um homem de roupa camuflada, mochila e fuzil automático às costas?  

Mariana Marques, na orelha, afirma: Manuel é um poeta que narra.

Encerrando, retorno a viagem literária que fiz a José Eduardo Agualusa, poeta afro-luso-brasileiro que desconstrói Luter Kink, quando este anunciou à multidão: Eu tive um sonho. Agualusa prefere Eu fiz um sonho. E Manuel Casqueiro, o poeta que narra, em companhia dos guerrilheiros podem dizer: Nós fizemos um sonho.



*Atendendo a gentil solicitação do Manuel Casqueiro, fiz esta rápida apresentação.


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