Por Rinaldo de Fernandes
Os dias roubados
(Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2013), primeiro romance do cearense Carlos
Vazconcelos, obteve em 2011 o Prêmio de Incentivo às Artes da Secretaria da
Cultura do Estado do Ceará. O romance traz um tema pouco frequente em nossa
ficção – o da condenação injusta. E põe em cena as falcatruas que envolvem
Justiça e Poder Político.
É o próprio personagem-narrador quem anuncia o seu infortúnio, como que
fustigando o leitor, incomodando-o, chamando-o para se posicionar:
“Você não sabe o que é ser condenado sem culpa, você não avalia o que é
passar quinze anos emaranhado nas próprias teias, confinado nas próprias
inquietações.” (p. 53)
E incomoda-o ainda mais ao rememorar:
“Cruzei o portão da penitenciária aos vinte e cinco, quando a estrada da
vida se estendia à minha frente desafiando meus passos. Fui roubado gravemente,
o grito ainda ecoa, me acompanha feito um zumbido eterno.” (p. 21)
O protagonista tem um relacionamento com Águida, filha de um deputado
sórdido. Águida, quando sabe que é traída, se suicida, atirando-se por uma
janela. Começa aqui a ‘via crucis’ do protagonista:
“Voltei para casa e tentei um diálogo ameno com Águida, que nada
sabia de racionalidade. Seu coração era ainda mais escravo da paixão do que o
meu. Chorou de forma contida, como quem não acreditara mesmo na reversão do
destino, como se já estivesse pronta para o pior desfecho, e não me deu chance.
Pulou. Aquele salto foi definitivo em nossas vidas. Encontraram-me prostrado,
golpeado, tantos dedos me apontaram, tantos olhos me cravaram a lança. Fui
algemado e conduzido ao tribunal. De lá para o inferno do cárcere foi um
passo.” (p. 22)
Mais à frente, fica-se sabendo que a condenação se deu por ‘ações’
do deputado:
“Mostrou-me a foto de jornal. Era o deputado Jairo Filgueira, pai de
Águida. Eu já sabia que a família me odiava e que havia trabalhado incansavelmente
pela minha prisão, mas não conhecia os detalhes sórdidos da empreitada, os
atalhos, as manobras, a compra de todos os envolvidos para minha condenação
logo a partir dos primeiros indícios”. (p. 52)
Um jovem promotor é quem “investiga a falsa sentença” e consegue retirar
o protagonista da prisão.
O romance de Carlos Vazconcelos é agudo na temática e bem elaborado na
forma, com uma técnica inventiva. No final é que é revelado, por meio de um
“posfácio” produzido por um dos organizadores do volume, que a narrativa que
lemos (fragmentada, e o recurso soa perfeito, por conta do arranjo que foi
possível ser montado pelos organizadores do material recolhido) se
trata na verdade da autobiografia do protagonista, que, na prisão, e fazendo de
tudo para preservar seus papéis, seus manuscritos, tornara-se escritor.
Tornara-se escritor para denunciar a injustiça que o fez padecer durante quinze
anos – e que, liberto, não o recompôs como indivíduo, fraturou de vez sua
identidade.
Carlos Vazconcelos, que tem mestrado em Literatura Comparada pela
Universidade Federal do Ceará e produz e apresenta um evento literário no SESC,
se inicia muito bem no romance.
* Rinaldo
de Fernandes é romancista, contista, ensaísta e antologista. Professor de
literatura na UFPB. Doutor em Letras pela UNICAMP.
Publicado
no Blog da Beleza (http://rinaldofernandes.blog.uol.com.br/)
em 12/8/2013.
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