terça-feira, 13 de agosto de 2013

CARLOS VAZCONCELOS: UMA BOA ESTREIA NO ROMANCE




Por Rinaldo de Fernandes


                    Os dias roubados (Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2013), primeiro romance do cearense Carlos Vazconcelos, obteve em 2011 o Prêmio de Incentivo às Artes da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará. O romance traz um tema pouco frequente em nossa ficção – o da condenação injusta. E põe em cena as falcatruas que envolvem Justiça e Poder Político.

É o próprio personagem-narrador quem anuncia o seu infortúnio, como que fustigando o leitor, incomodando-o, chamando-o para se posicionar:

“Você não sabe o que é ser condenado sem culpa, você não avalia o que é passar quinze anos emaranhado nas próprias teias, confinado nas próprias inquietações.” (p. 53)

E incomoda-o ainda mais ao rememorar:

“Cruzei o portão da penitenciária aos vinte e cinco, quando a estrada da vida se estendia à minha frente desafiando meus passos. Fui roubado gravemente, o grito ainda ecoa, me acompanha feito um zumbido eterno.” (p. 21)

O protagonista tem um relacionamento com Águida, filha de um deputado sórdido. Águida, quando sabe que é traída, se suicida, atirando-se por uma janela. Começa aqui a ‘via crucis’ do protagonista:

 “Voltei para casa e tentei um diálogo ameno com Águida, que nada sabia de racionalidade. Seu coração era ainda mais escravo da paixão do que o meu. Chorou de forma contida, como quem não acreditara mesmo na reversão do destino, como se já estivesse pronta para o pior desfecho, e não me deu chance. Pulou. Aquele salto foi definitivo em nossas vidas. Encontraram-me prostrado, golpeado, tantos dedos me apontaram, tantos olhos me cravaram a lança. Fui algemado e conduzido ao tribunal. De lá para o inferno do cárcere foi um passo.” (p. 22)

 Mais à frente, fica-se sabendo que a condenação se deu por ‘ações’ do deputado:

“Mostrou-me a foto de jornal. Era o deputado Jairo Filgueira, pai de Águida. Eu já sabia que a família me odiava e que havia trabalhado incansavelmente pela minha prisão, mas não conhecia os detalhes sórdidos da empreitada, os atalhos, as manobras, a compra de todos os envolvidos para minha condenação logo a partir dos primeiros indícios”. (p. 52)
 
Um jovem promotor é quem “investiga a falsa sentença” e consegue retirar o protagonista da prisão.

O romance de Carlos Vazconcelos é agudo na temática e bem elaborado na forma, com uma técnica inventiva. No final é que é revelado, por meio de um “posfácio” produzido por um dos organizadores do volume, que a narrativa que lemos (fragmentada, e o recurso soa perfeito, por conta do arranjo que foi possível ser montado pelos organizadores do material recolhido) se trata na verdade da autobiografia do protagonista, que, na prisão, e fazendo de tudo para preservar seus papéis, seus manuscritos, tornara-se escritor. Tornara-se escritor para denunciar a injustiça que o fez padecer durante quinze anos – e que, liberto, não o recompôs como indivíduo, fraturou de vez sua identidade.

Carlos Vazconcelos, que tem mestrado em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará e produz e apresenta um evento literário no SESC, se inicia muito bem no romance.

 

* Rinaldo de Fernandes é romancista, contista, ensaísta e antologista. Professor de literatura na UFPB. Doutor em Letras pela UNICAMP.

 Publicado no Blog da Beleza (http://rinaldofernandes.blog.uol.com.br/) em 12/8/2013.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário