Escritor cotonete
Pedro Salgueiro para o Jornal o Povo, 21/03/2012
Um dos fatos que me fazem acreditar que estou ficando irremediavelmente mais velho é a quantidade de jovens escritores que me procuram para ler seus originais de livros e, claro, para dar minha modesta opinião sobre suas criações literárias. No início estranhava um pouco, dava uma desculpa de que não era especialista, que mal sabia avaliar os meus próprios continhos etc. e tal. Mas com a insistência (e a simpatia) deles fui que fui aceitando ler e avaliar e meter o bedelho em algumas coisitas que achava de mau gosto ou fora do lugar, mas sempre com o pé atrás: afinal, quem sou eu para julgar uma pretensa obra de arte alheia? Nem fiz uma faculdade de Letras, sou um autodidata em tudo na vida, minha leituras são por demais anárquicas e só obedecem aos meus gostos pessoais. E além do mais sei, por experiência própria, que todo mundo é vaidoso e que no fundo não aceita bem uma interferência externa, principalmente se for negativa.
Junte-se a isso tudo a minha total falta de jeito para qualquer análise, para desenvolver um texto opinativo sobre algum assunto, talvez devido ao meu despreparo teórico sobre vários e vários assuntos, pois fui sempre muito intuitivo, aprendendo as técnicas e conceitos na maioria das vezes à fórceps. Como repassar então opiniões que muitas vezes apenas percebo por pura intuição, apenas de ouvido?
E o que é mais grave: como julgar trabalhos de pessoas que estão apenas engatinhando nessa árida estrada do fazer literário, se eu mesmo, já dobrando a casa dos 40, a cada dia aprendo coisas novas (muitas vezes com autores bem mais jovens e aparentemente iniciantes) e sou também inseguro quanto aos caminhos que sigo em meus parcos escritos? E como não melindrar (e desestimular) uma jovem promessa literária com julgamentos taxativos e/ou autoritários? Uma arte que se vai aprendendo aos poucos, com muito diálogo, confiança e sinceridade. Não aprendi ainda, visto que todas as pessoas são diferentes e têm reações diversas, objetivos diferentes e, obviamente, sensibilidades únicas. Encontramos escritores jovens completamente receptivos a sugestões e críticas, mas também outros bastante seguros de suas qualidades (e raramente de suas limitações). O jeito que encontrei: ir caminhando junto com eles, sugerindo que mostrem para outras pessoas mais calejadas, que sigam mudando passagens e lendo em voz alta, indo aos poucos aprendendo com vários autores de estilos diferentes, vendo o que os mestres acharam como soluções para tais e quais dúvidas.
Não é uma tarefa fácil, exige tempo, disposição, conhecimento, mas principalmente uma sensibilidade danada, pois afinal estamos tratando com jovens talentosos, muitos deles que logo, logo estarão (se tiverem força e persistência) nos ultrapassando de longe com belas obras literárias.
Como tenho mesmo muitas dificuldades para análises fui preferido escrever quando muito uma “orelha”, daquelas que cabe numa só aba (à esquerda), sugerindo ao autor que deixe a segunda para sua foto e breve biografia.
Mas se acho que o livro não está ainda pronto para uma publicação, se acredito sinceramente que o autor pode melhorá-lo com boas revisões, substituições de algumas peças ou trechos, falo isso impreterivelmente em particular, jamais teria coragem de fazer em público ou aceitar escrever um texto fazendo as tais restrições. Acho de uma descortesia absurda, de uma desonestidade intelectual danada aceitar escrever sobre um autor e “sentar a lenha” ou mesmo fazer restrições veladas e cínicas.
Então brinco comigo mesmo dizendo que estou me sentindo um verdadeiro “escritor cotonete”, tantos são as “orelhas” que tenho escrito ultimamente, fato que tem me assustado e me levado a essa divagação dolorosa sobre a velhice.
P.S.: Queria, nas entrelinhas, dizer que me sinto extremamente feliz quando encontro um novo e esperançoso escritor com seu livro inédito debaixo do braço e partindo para a cruel tarefa de tentar publicá-lo. Não sou, felizmente, daqueles que querem ser os únicos escrevinhadores da face da terra, que se sentem extremamente ameaçados com o talento dos jovens. Também acredito piamente que um escritor se vai fazendo aos poucos, com erros e acertos, amadurecendo ao mesmo tempo em que vai vivendo. Acho até que se ele não for se tornar nenhum gênio mal algum causará à humanidade, tão cheia de coisas piores do que uma simples má obra de literatura.
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