Pedro Salgueiro para o jornal O POVO
(Dalton Trevisan e o artista plástico Poty bem jovens)
O mestre Dalton Trevisan (o mais recluso e misterioso escritor brasileiro) costuma escrever referências autobiográficas camufladas em seus contos: no meio de um diálogo aparentemente banal, não raras vezes no próprio título da história, ou mesmo em “orelhas” não assinadas de seus primeiros livros, ele dá pistas de suas leituras, de suas fontes históricas e literárias, até de seus métodos para apreender suas famosas narrativas, de como as escreve, e não raramente em frases cheias de ironias e “cascas de bananas” que só quem conhece muito bem sua obra vai decifrando aos poucos.
Tempos depois de encontrar a intrigante (e instigante) frase num de seus livros li num artigo escrito pelo poeta José Paulo Paes (seu colega de juventude na Curitiba dos anos 1950) que um grupo de insipientes escritores costumava andar pelas ruas bisbilhotando pelas frestas das portas e janelas e escutando conversas alheias: o Vampiro de Curitiba era um deles.
***
Quase todos os escritores têm como fonte de sua literatura conversas ouvidas das mais diferentes maneiras, umas lícitas, outra nem tanto.
Eu propriamente (descontando a desigual comparação) vivo de ouvido aceso, em filas de bancos, em alcovas, nos escurinhos dos cinemas, pois daí pode surgir uma pérola anônima, um bom tema para um conto, ou no mínimo um mote para uma conversa banal na repartição.
Certa vez vinha eu num ônibus com o ouvido atento a um relato escabroso de traição contado por uma senhora em cadeira vizinha. Já passava uns dois quarteirões de minha parada quando a tal senhora simplesmente resolveu mudar de assunto. Senti uma vontade danada de lhe dar uns “cascudos”.
Desci irritado e sem o final esperado de meu conto.
Não raras foram as vezes em que não consegui escutar todo o desenrolar de uma fofoca, notícia no rádio ou conversa de estranho (talvez por isso muitos de meus continhos não tenham um final, o que tem irritado por demais os meus parcos leitores).
Mas dia desses travei estes dois estranhos diálogos reproduzidos abaixo (não por possuírem, em si, algum valor literário, muito mais por terem as palavras ficado rodopiando em minha mente por bastante tempo, quando então peguei uma caneta e anotei mais para me livras delas):
Na rua
— Oh, cristão, me dê ajuda para eu enterrar uma neta de vinte dias que morreu de cansaço!
— Perdão, minha senhora...
No ponto do ônibus
— Olha, meu filho, a situação está difícil...
— Pois é...
— Outro dia encontrei um ex-aluno meu na Praça do Ferreira e ele quase chorando me confessou...
— Sim!?
— Moço! (Apurando a vista)... É o Parangaba/Papicu?
— É, sim, senhora!
— Obrigada!...
— ?
— Até logo, meu filho!...
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