Exercícios de sensibilidade
ou O amor nos tempos da indelicadeza
Por Carlos Vazconcelos
Em tempos de indigesta violência (na tv, nas ruas, nos livros), de autores angustiados e penadas tão pessimistas, Silas Falcão publica o livro Por quem somos?, mostrando que prefere resistir pela dignidade, não cruzar fogos, depor armas, filiando-se aos preceitos de Gandhi. Dialoga com personalidades que imprimiram suas marcas indeléveis sobre a terra: o citado Gandhi, Charles Chaplin, Martin Luther King (seus prediletos, além do conterrâneo Milton Dias, é claro).
Com olhos perscrutadores, anda a pé pelas ruas de Fortaleza, fisgando situações, apropriando-se de material humanístico para compor suas crônicas, que são às vezes simples lampejos, insights, mas que demonstram a preocupação do cidadão. Este, na impossibilidade de curar mazelas sociais, reúne matéria poética e oferece ao cronista para que realize a transmutação lírica, a simbiose metafísica. Canta o mundo suavemente, às vezes com um pouco mais de furor, quando a atmosfera se torna menos respirável.
O livro reúne 63 exercícios de sensibilidade. São textos simples, desbastados de altos anseios estilísticos, mas abonados pelo teor humanitário. O cronista acredita no homem, na vida e no que virá. E tem uma característica, cultua a literatura como um ofício de virtude do ser humano. Para ele, a literatura é campo sagrado, onde só se deveriam plantar palavras amáveis. Se o mundo está vestido de nudez, é missão do escritor revesti-lo de magia e sonho, pensa. Corre o risco de descampar pelo lirismo extremo, que outros cantores chamam pieguice (até já me confidenciou este receio). No entanto, pode se afiançar nas palavras de Alberto Caeiro: Eu não tenho filosofia; tenho sentidos. Ou, erguer o braço e advertir, feito o poeta Mário Gomes, também citado no livro: Ninguém me despoetizará!
Com este Por quem somos?, Silas Falcão lançou a semente do seu estatuto da subjetividade, expressão que ele faz questão de realçar, espécie de carimbo da sua postura no mundo. Resta amadurecer o broto, ler mais, exercitar mais, torná-lo uma árvore de incontáveis frutos e continuar instaurando questionamentos: Por quem somos? Pela velhice dos sonhos? Ou pela consciência da paz, da alegria, das simples verdades da vida? Por quem somos? Pela ausência da literatura que nos livra da nossa própria estupidez? Ou pela inércia da justiça humana diante dos gritos dos inocentes, dos que necessitam do alvará de soltura social?
Seus próprios personagens, D. Romalina, o Diacordo, podem responder a questões tão sutis? Talvez isso caiba apenas ao leitor, pois não são lançadas respostas, apenas indagações, reflexões, provocações existenciais. Eis o desígnio dos livros: alargar discussões, estabelecer o diálogo, instigar desejos.
Em tempos tão escatológicos, vale a pena falar de flores? O autor acredita que sim, e oferece a deixa: Cada um sabe o coração que tem.
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