segunda-feira, 8 de novembro de 2010

                         
Riscos urbanos
Bernivaldo Carneiro

Trafegando a agonia do cair de tarde da agitada Raul Barbosa de nossa “Fortaleza Bela”, subitamente me vi num beco sem saída. Enquanto mulheres, meninos e homens se movimentavam aleatoriamente atabalhoados, como que alheio àquele drama, um helicóptero sobrevoava nossas alvoroçadas cabeças espalhando mais temor ainda. Os policiais em terra empunhavam pesadas armas. Alguns absortos; outros denotavam desleixo de ofício. Viaturas e ambulâncias derramando, inexitosamente, suas estridentes sirenes, exigiam passagem. Na busca de ignorar a perturbação auditiva, meu olhar detetive ziguezagueou as duas fileiras à direita do amontoado de carros absolutamente parados, até esbarrar no passeio do lado. Eu dava assim de cara com o que julguei ser o principal motivo de toda confusão. Desnudo da inconfundível barba de Marx (imberbe ainda o era) tinha os olhos pétreos de Che Guevara. Será que à Mercúrio ao enfiar a espada em Tibaldo, o atroz, antes da investida final do jovem, tivera a decência de adverti-lo?: “A fenda não é tão funda como um poço, nem tão ampla como uma porta de igreja, porem alcança. Perguntem por ti amanhã e verão que teso estás”.

Teso e absolutamente impotente a tudo à volta. O ambulante, por exemplo, cuja indiferença passava recibo de ser a cena corriqueira em seu dia a dia no Lagamar; batia de porta em porta a sobressaltar ainda mais os condutores. Até onde pude ver ninguém deu a mínima para suas bugigangas: carregador automotivo de celular e capa para tais aparelhos; carteira de cédulas e óculos escuros; calculadora e guarda-chuva... Ou seria guarda-sol! Este ano, enquanto São Pedro foi sobremodo econômico a nos abrir as compotas do céu; o Astro Rei está despejando sobre nós, sem pena e sem dó, os seus reluzentes raios.

Não me restando outra opção, suspendi os vidros, travei as portas e me pus ereto da cintura para cima. A prudência advertia ao meu atordoado entendimento ser preciso ocupar o menor espaço lateral possível. Por fim recuei ainda mais o banco e busquei escudo na coluna que separa a porta do motorista do correspondente acesso aos passageiros de trás. Que não existiam. Ali só havíamos Deus e eu. E, a um molusco que se recusa sair da própria concha, entreguei-me ao debulhar do rosário para, antes que um inocente fosse encontrado por uma bala perdida, a bulício cedesse lugar a um transito célere.

Nem é preciso dizer que, de mim para mim, era eu o mais inocente de todos os inocentes da história.

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