terça-feira, 9 de novembro de 2010

                                 Sinal Vermelho
                    Homenagem ao José Alcides Pinto


  Da janela do meu carro avisto o velho poeta atravessando a rua. Meus olhos vão seguindo aquele vulto, meio capiongo, já passos lentos. Vai conduzindo sua solidão ou por ela vai seduzido. A solidão do poeta é povoada por seres deste e doutros mundos. Olho da janela do meu carro. O poeta não precisa de automóvel, é alado, e diáfano, por isso a multidão nem desconfia que ele existe. Ele mesmo se pergunta, ou aos deuses, quem sou eu?, mas não obtém resposta. Aliás, respostas não são o forte dos poetas, que se contentam com as dúvidas. Para onde vai o turbilhão? Sem saber, os carros param para o poeta passar, a rua para, o vento dispara uma lufada de gratidão. O semáforo é quem decide: vida ou morte. As calçadas esquivam-se dos pedestres.
O velho poeta segue repletamente vazio. Seus labirintos lhe bastam, o que não olha é o que vê. O velho poeta vai sobraçando papéis avulsos e a lânguida certeza de que a morte é conspiração. Uma certeza íntima, pouco lembrada, que resulta em mistério, contravenção ou metafísica.
Sou a plateia do velho poeta. Vejo-o transitar pelos meandros da babilônia e penso: a cidade inteira é menor do que o velho poeta.
José Alcides Pinto (1923-2008)
Este texto foi entregue ao JAP em agosto de 2007.



Um comentário:

Poetas de Quinta disse...

Valeu, Vasconcelos.
Justa homenagem ao JAP.

Silas Falcão

Postar um comentário