Quando o telefone tocou, Carlos Vazconcelos imaginou que fosse um novo pedido. Estava acomodado em seu birô no pequeno escritório da bomboniere, cercado de pilhas de embalagens de chocolates, pirulitos, balas de todos os gostos e de todas as cores, no meio daquele cheiro bom de tutti-frutti, aproveitando também o hiato de tempo sem fregueses para pôr em dia as leituras.
Carlos Vazconcelos, graduado em Letras, professor de Português, pensou em melhorar sua renda, aquele dinheirinho curto do magistério, instalando um pequeno comércio de bombons num ponto do quadrilátero da praça do Mercado São Sebastião, no fervilhante bairro do Otávio Bonfim.
Estamos no segundo semestre de 2007. Sua lojinha tem apurado que fica muito aquém das esperanças que o animavam quando se propôs a cultivar aquela atividade paralela, um ganho extra para completar a receita familiar.
Com sua imaginação de ficcionista e nefelibata inveterado, chegou a sonhar com prosperidade exuberante, quem sabe um supermercado ou mesmo uma rede deles, a competir com os grandes e a se espalhar pelo país inteiro, um império mercantil empregando milhares de brasileiros e patrocinando atividades culturais. Depois viu que aquela não era a sua praia. As vendas eram acanhadas e os lucros ridículos, depois do pagamento dos encargos, fretes, impostos, energia e telefone. Decididamente, não iria ficar rico e o mais certo seria desistir daquilo, repassar o ponto e multiplicar sua carga horária nas salas de aula, porque, agora sabia, ensinar fora a arte que Deus lhe dera e onde deveria ganhar o pão.
Desde menino sentia que estava destinado às letras. Lá no Tianguá, onde nascera, pegou fama de devorador de livros. Na cidade serrana, do vigário ao juiz, todos sabiam que o menino Bebeto iria ser professor e possivelmente um escritor. Quando visitava a biblioteca municipal, murmurava para o seu coração: um dia estas prateleiras vão ter os meus livros, contos e romance de minha autoria... e via, no seu sonho de menino, o dorso dos volumes com o seu nome impresso: Carlos Roberto Vazconcelos. A Serra Grande já dera ao Brasil grandes escritores. Viçosa, o Clóvis Beviláqua; São Benedito, o filósofo Farias Brito; Ubajara, o Raimundo Magalhães Júnior... O clima frio da serra ativava a criatividade.
Quando veio para Fortaleza sabia que estava dando linha para seu destino.
Concluiu o curso secundário, foi aprovado no vestibular e, bacharel em Letras, passou a dar aulas. Uma coisa que sempre fez foi escrever. Sempre gostou de rascunhar as idéias que lhe passam pela mente e, revivendo velhas histórias do torrão natal, armar contos com a técnica que aprendeu na faculdade. É um narrador, um bom contador de histórias.
Concluiu o curso secundário, foi aprovado no vestibular e, bacharel em Letras, passou a dar aulas. Uma coisa que sempre fez foi escrever. Sempre gostou de rascunhar as idéias que lhe passam pela mente e, revivendo velhas histórias do torrão natal, armar contos com a técnica que aprendeu na faculdade. É um narrador, um bom contador de histórias.
Agora está ali, no calor da tarde, mal acomodado na função de pequeno comerciante, quando toca o telefone. Do outro lado da linha a voz feminina se identifica. É a escritora Regina Fiúza, diretora administrativa da Academia Cearense de Letras, que quer lhe comunicar que ele, o professor Carlos Roberto Vazconcelos, que concorrera com o pseudônimo de Kalil Kaleb, ganhara o Prêmio Osmundo Pontes 2007, categoria contos (O outro vencedor foi o poeta José Telles, na categoria poesia, com a obra Silhueta).
A notícia o engasgou momentaneamente. Era o entalo da emoção. Respondeu, quando pôde, que se sentia muito feliz por ganhar aquele prêmio, pela importância que representava e por saber que seu livro Mundo dos Vivos fora avaliado e distinguido por uma plêiade de intelectuais da melhor monta. Sabendo, outrossim, que concorrera com dezenas de outros trabalhos, alguns até de autores consagrados, e, mesmo assim, havia conseguido o primeiro lugar.
Naquele momento foi arrebatado pelas lembranças de seus sonhos da infância e parecia que o frio da serra, aquele vento gelado da Ibiapaba, lhe tomava o estômago, provocando uma espécie de vertigem. Num círculo enevoado nas imagens que passavam diante dele, viu o pai, a mãe, as tias, os irmãos, as crianças colhendo mangas e pitombas nos Taquari, os vendedores de doce de jaca nas barracas da saída da cidade, o padre Tibúrcio e o bispo Dom Timóteo celebrando a Semana Santa, Das Dores, a lavadeira, e a dona Beta das broas... todos sorrindo e aplaudindo o desempenho do garoto Bebeto, o filho de seu Albercy e da Dona Nadir, que virara escritor na capital e agora estava ganhando prêmios, feito um danado da literatura.
A noite o encontrou naquele inebriante estado de felicidade, vivendo uma alegria inusitada. Já ganhara outro prêmio literário no ano anterior. Mas o Prêmio Osmundo Pontes era outra coisa, uma verdadeira consagração. Estaria agora fazendo companhia a sumidades da literatura cearense que o haviam antecedido naquela importante premiação. Gente do porte de Costa Matos, Natércia Campos, Batista de Lima, Luciano Maia, Carlos Augusto Viana, Tércia Montenegro e Pedro Salgueiro, dentre outros ilustres.
Naquela noite insone viu o filme do passado e praticou a projeção da noite da entrega do prêmio para os próximos dias, a festa esplêndida no hotel Gran Marquise, anfitrionada por dona Cibely Pontes, todos aqueles convidados, os discursos, os aplausos...
Tempos depois, declarava num depoimento comovido: “Considero o Prêmio Osmundo Pontes um divisor de águas na minha carreira literária, pelo alto conceito que desfruta entre os escritores do Ceará e do país. O Prêmio Osmundo Pontes é o Nobel cearense.”
LEITÃO, Juarez. Panateneias: a história do prêmio Osmundo Pontes. Fortaleza: Premius Editora, 2009, p. 17 a 23.
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