terça-feira, 16 de agosto de 2011


                                           Pai, me dê a mão! 

Por Silas Falcão

Conheci Fortaleza quando minha infância tinha nove anos. Era 1966. Meus olhos desassossegaram-se contemplando o bonito nunca visto. Avenidas longas e arborizadas. Semáforos atuantes. Abundância de lojas e ruas. Trancelins de pessoas, olhares, vozes e carros. Tudo era outro. 
Da casa do meu introspectivo tio, leitor de muitas estantes na sala de visita, papai saía de manhã ainda tragando o último gole de café. No bolso, a relação das compras e o talão de cheque. Na sua mão direita, a minha mão empunhada firmemente. Íamos às lojas de confecções onde ele era recebido alegremente. As horas iam diminuindo a lista de compras. Inúmeras vezes me desgarrava do papai, e da porta da loja pesquisava as vitrines enclausurando os brinquedos do meu apetite. Riscado o último item do inventário de compras, e pagamento efetuado, retornávamos aos trancelins do novo mundo. Prédios elevando as pessoas em direção às nuvens. Buzinas de carros e de bocas humanas gritando passagem. Às vezes eu me distanciava um pouco do meu pai. E, assustado, eu corria gritando: “Pai, me dê a mão!”. O desconhecido produz o medo. Talvez seja uma forma de defender a nossa existência. Nossos sonhos. Nossa felicidade. Nosso futuro.
As décadas surgiram. Vim morar em Fortaleza. No início dos anos 90 papai nos assombrou com o câncer. Três vezes por semana eu ia deixá-lo no Hospital do Câncer, para as sessões quimioterápicas. Feito cupins, o câncer ia descompondo seu corpo, enfraquecendo sua voz, seu olhar, seu andar vigoroso, sua vida. Um sábado, pela manhã, ele convidou: “Vamos ao centro?”. Do estacionamento de carros, caminhamos em direção a nova Praça do Ferreira. Ao lado dele recordei a primeira Fortaleza. E tudo era outro. Outro índice. Mais Carros. Mais pessoas em direção às nuvens. Mais ruas. Mais lojas. Mais trancelins. Mais medos.
Reolhei meu pai capiongo, e pedi: “Pai, me dê a mão”.

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