quarta-feira, 10 de agosto de 2011

                             José Pedro e as irmãs, em Recife

              Quando o Amor é de Graça IV: em nome do Pai!
Crônica de Raymundo Netto para O Povo

Não há quem dê nego à importância do nome, esta designação oficial de nossa existência dita cuja, seja ela a mais vã impossível, atribuída seja por quem for, a nos acompanhar pela vida e à morte, falando de nós ou por nós como uma marca, às vezes como uma chaga. Um nome bem escolhido nos coloca à frente, principalmente quando inicial “a”, ou, ao contrário, nos diminui, quando feio, cacofônico, antiquado, com sentido dúbio ou estranho, fruto do engenho experimentalista dos pais. Há tantos nomes bonitos, fortes, significantes — em alguns países asiáticos realizam-se cerimônias dirigidas por sábios que “adivinham” a função de mundo daquele ser e a coloca em seu nome — mas na hora da escolha de um nome, os pais ou os enxeridos de plantão — os “pitaqueiros” — esquecem de atentar para a criaturinha que o levará às costas, às vezes, suportando o ridículo de uma predileção momentânea.
Meu nome é Raymundo Netto. Nasci numa noite de São Pedro. Fogos estrepitavam nos céus e minha mãe não duvidava que me nomearia “Pedro”, assim como meu pai, José Pedro, que nascera à mesma data. Entretanto, papai dizia-lhe “Não. Terá o nome de meu pai: Raymundo!” Chegava à minha mãe o tom grave do nome. Insistiu na tese “José Pedro Júnior” — ou filho —, afinal, era tão raro um filho, e logo o primeiro homem, nascer no mesmo dia de um pai... Mas este não vacilava: “Será Raymundo!”.
Minha vó Alice, a mãe de meu pai, tentava: “Pedro Raymundo?” “Não, parece nome de sanfoneiro...”, entendia mamãe, desconsolada, e pensou: “Pelo menos será Raymundo Netto, e poderei chamá-lo por Netto”. Certo assim ficou e nos ecos mais longevos de minha vida, nem lembrava por um dia daquele Raymundo. Cresci sem precisar dele, não tendo por ele nenhuma afinidade, sem encontrá-lo, apenas raramente, e reconhecendo nele a cara de “Hã? Eu?” nas vezes em que assim me acusavam, mas se não insistissem, passava-me. Até as professorinhas, nas reveladoras chamadas de classe, o preteriam. As garotas da velha ponte quando não saciadas após o Netto apresentado, insistiam: “Netto de quê?”. “Raymundo...”, e elas prosseguiam: “Pois então, Netto...” É, o pobre do Raymundo não emplacava mesmo. Um azarão, condenado a esconder-se sob máscara de ferro nas masmorras cartoriais. Não fosse encargo de capa de livro, há seis anos, inda estaria morto.
De assim, sempre na mesa larga de família, em volta com o casal paterno, vez ou outra, numa espécie de efeméride infantil, tornava-se assunto: “Como vocês tiveram coragem de, olhando para aquele ser indefeso, careca e banguela, gritar-lhe à cara: Raymundo?”. Era graça, mas mamãe baixava os olhos e passava: “Foi seu pai...”. Este calado, não fosse com ele. Estranhamente, aqui constato: nunca me chamou por toda a vida pelo primeiro nome. Nunca de jamais!
Anos-há, porém, recorri como sempre, parecia-me engraçado, o assunto. Mas, desta vez, meu pai levantou-se, ainda calado, dirigiu-se à porta da cozinha e, foi de lá, voltou-se de banda a voz calma e segura: “Se você quiser mudar o seu nome, pode mudar, mas eu escolhi para você o melhor de todos os nomes que eu poderia: o do meu pai!”

Contato: raymundo.netto@uol.com.br
Blogue AlmanaCULTURA: http:// raymundo-netto.blogspot.com

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